quarta-feira, 25 de junho de 2008

Capoeira vira patrimônio cultural brasileiro

Capoeira vira patrimônio cultural brasileiro
(16/07/2008 - 10:49)

Manifestação cultural está inscrita nos Livros dos Saberes e das Formas de Expressão
Comunicação Social/MinC
Texto e fotos: Carol Lobo

No DNA físico e cultural do povo brasileiro está a contribuição africana
e só por preconceito é possível não reconhecê-la.

Juca Ferreira, ministro da Cultura interino

O registro do Ofício dos Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira como forma de expressão é mais um símbolo de uma vontade política que não se encerra no Iphan ou no Ministério da Cultura, mas que reflete o desejo maior da sociedade de promover e valorizar as expressões culturais vinculadas aos setores culturais historicamente excluídos das políticas de Estado.

Luiz Fernando de Almeida, presidente do Iphan

O dia 15 de julho de 2008 vai ficar marcado na memória dos Mestres de Capoeira, dos capoeiristas e de todos os admiradores de uma das maiores expressões culturais afro-brasileiras: a Capoeira. Essa é a data em que a manifestação foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro e registrada como Bem Cultural de Natureza Imaterial.

A proposta de registro - a inscrição do Ofício dos Mestres de Capoeira no Livro dos Saberes e da Roda de Capoeira no Livro das Formas de Expressão - foi aprovada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), durante reunião nesta terça-feira, em Salvador.

Capoeiristas da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro se distribuíram em diversas Rodas de Capoeira em frente ao Palácio Rio Branco, no centro da capital baiana, enquanto aguardavam o resultado da votação, que estava sendo realizada na Sala dos Espelhos, da antiga sede do governo estadual.

Os membros do Conselho Consultivo - composto por representantes de entidades governamentais e da sociedade civil - acataram, por unanimidade, o registro da Capoeira como Patrimônio Cultural. A sessão deliberativa ocorreu com a presença do ministro da Cultura interino, Juca Ferreira; do governador da Bahia, Jaques Wagner; do presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida; do presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo; dos embaixadores Kayode Garrick e Fode Seck, respectivamente da Nigéria e do Senegal; além de autoridades locais.

"Hoje tenho certeza que estamos vivendo um momento histórico nesse processo de valorização da Capoeira", afirmou Juca Ferreira, ao ressaltar que com a decisão o Brasil fica mais próximo do ideal da democracia racial. "O significado maior desse dia não beneficia apenas a Capoeira, mas beneficia a todos nós, beneficia o Brasil."

"Fiquei pensando, antes de chegar aqui, se era coincidência que os dois presidentes que fizeram movimento em direção à Capoeira tenham sido Getúlio e, agora, o Lula. Acho que não. Foram os dois presidentes que mais se aproximaram da população brasileira e de colocar o Estado mais próximo da população."

Homenagem - Após o anúncio da decisão do Conselho, Juca Ferreira foi homenageado pelos capoeiristas, na Praça Municipal Tomé de Sousa. Na ocasião, lhe foi ofertado um cartão com uma caricatura dele ao lado do ministro Gil, com frase de exaltação: ´Capoeira, Educação e Cultura´.

Festa de Celebração

À noite, no Teatro Castro Alves, ocorreu uma grande comemoração que reuniu autoridades, personalidades e populares. Em pronunciamentos exibidos por meio de um telão, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, enviaram seus cumprimentos e celebraram o título de Patrimônio Cultural Brasileiro recebido pela Capoeira.

O evento contou com espetáculo no qual participaram a Orquestra de Berimbaus da Bahia, o músico Wilson Café acompanhado de adolescentes da Escola de Educação Percursiva Integral, o Mestre Lourimbau, Roberto Mendes, Mariane de Castro, Ramiro Musotto e Mestre Nenél (filho de Mestre Bimba), além do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos.

O presidente Lula afirmou tratar-se de uma data muito especial para o país e que a Capoeira é motivo de "orgulho nacional, praticada em mais de 150 países de todos os continentes". "Foi preciso muitos anos para que reconhecêssemos o seu valor cultural. Getúlio Vargas foi quem deu o primeiro passo ao receber pessoalmente o Mestre Bimba, criador da Capoeira como arte marcial. De lá pra cá o Estado se dividiu entre a perseguição e a indiferença à Capoeira, chegando até a dizer quem poderia e quem não poderia ensinar essa arte. Mas tudo isso é passado. Estamos finalmente fazendo justiça."

"A Capoeira dança, Capoeira luta, Capoeira artes circenses, Capoeira em todos os sentidos. Parabéns aos capoeiristas, parabéns a todos nós brasileiros", exultou o ministro Gilberto Gil, por sua vez, ao apoiar a decisão dos conselheiros: "já era hora; muito merecida".

A Bênção, Mestres!

O ministro interino Juca Ferreira afirmou que "faz parte da repactuação que estamos vivendo neste momento no Brasil, de qualificação de nossas relações, de zerar a nódoa da escravidão no Brasil. Isso tem que ser tarefa de todo homem e toda mulher de bem no Brasil". "A dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer a grandeza dessa manifestação é um sintoma que a herança da escravidão deixou marcada na nossa sociedade." Nesse contexto, ele ainda parabenizou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, pela atuação da instituição no processo de resgate e valorização das raízes africanas na cultura do país.

"Amanhã nosso país vai acordar mais generoso, mais próximo de si mesmo, um pouquinho mais perto da nossa grande utopia da democracia racial", declarou Juca Ferreira, que estava visivelmente emocionado e foi muito aplaudido. Também ressaltou que o ato não seria completo se não fosse reconhecido o saber dos mestres: "sem ele é como se a Capoeira fosse corpo sem alma. A bênção, Mestres. A bênção, Pastinha. A bênção, Bimba. A bênção, João Pequeno. E a bênção a todos os Mestres presentes e os futuros".

O governador Jaques Wagner divulgou que a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia já está tratando do manejo da biriba e das outras madeiras que servem à orquestra de Capoeira, além da preservação das cabaças, que são fundamentais para a dança da Capoeira. E anunciou que em 2009 o estado sediará o primeiro festival internacional da Capoeira.

"Eu considero [a Capoeira] não sei se luta, não sei se dança, não sei se brincadeira, se jogo. Na verdade, como luta, na Capoeira a gente não machuca. Como dança, na Capoeira cada movimento é absolutamente imprevisível, cada um faz o movimento do seu jeito. Como música, cada um fica no seu canto, sempre inspirado no mesmo contexto. E como jogo, jogar em roda significa que a gente não tem um chefe, a gente tem um mestre", explanou Jaques Wagner.

Em seu discurso, o secretário Márcio Meireles reforçou o "momento histórico" e falou sobre a parceria da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia com o Ministério da Cultura em vários programas. "Estamos ajudando na coordenação do Programa Capoeira Viva, que está em sua terceira edição este ano. Estamos lançando dois editais da Capoeira junto com o Ministério também."

Desde a instituição do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, em agosto de 2000, já haviam sido registrados 13 bens representativos da herança cultural do Brasil. O presidente do Iphan ressaltou que "o título é, no entanto, apenas a culminância de um processo muito mais complexo, uma política de reconhecimento do valor patrimonial que acolhe demandas das próprias comunidades produtoras dessas manifestações culturais. Política que está, por sua vez, vinculada ao trabalho constante de fomento e implementação de ações que visam a continuidade e ao fortalecimento da expressão cultural registrada".

A documentação do dossiê que fundamenta o pedido de registro da Capoeira justifica essa solicitação enfatizando seu vínculo com as mais variadas áreas de expressão e conhecimento humano, tais como a arte expressa por diversas linguagens - dança, teatro, música, educação, antropologia, história. "Sobretudo em comunidades pobres, a Capoeira cumpre um papel decisivo na formação de crianças e jovens. Arte multidimensional, oferece um universo vasto a quem se propõe pesquisá-la", destacou Luiz Fernando de Almeida.

O presidente da Palmares assinalou que "a melhor homenagem que a Fundação poderia prestar hoje aqui é relembrar o mestre e poeta baiano Waly Salomão, que dizia que a felicidade do negro é uma felicidade guerreira". Zulu Araújo também apontou a presença, na platéia, de Abdias do Nascimento - criador do Teatro Experimental do Negro e do Museu de Arte Negra - que, aos 94 anos, prestigiou o evento e foi muito elogiado por seu papel pioneiro na formulação de políticas de igualdade racial e de ação afirmativa.

No palco, além das autoridades, representando os capoeiristas do mundo inteiro, estava João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno. Discípulo de Mestre Pastinha, é um dos mais antigos mestres da tradicional Capoeira Angola em atividade. Prestes a completar 81 anos de idade, afirma orgulhoso: "eu não estudei, mas a Capoeira me deu vários tipos de doutor".

Plano de Salvaguarda da Capoeira

As políticas públicas voltadas para a Capoeira estarão configuradas em um Plano de Salvaguarda, que implementará as seguintes ações:

  • Reconhecimento do notório saber dos mestres de capoeira pelo Ministério da Educação

Espera-se que o registro do saber do mestre de capoeira como patrimônio cultural do Brasil possa favorecer a sua desvinculação obrigatória do Conselho Federal de Educação Física, ao qual a capoeira está subordinada. Entende-se que o saber do mestre não possui equivalente no aprendizado formal do profissional de Educação Física, mas que se estabelece como acervo da cultura popular brasileira. A proposta pretende contribuir para que mestres de capoeira sem escolaridade, mas detentores do saber, possam ensinar capoeira em colégios, escolas e universidades.

  • Plano de previdência especial para os velhos mestres de capoeira

Diante de um histórico de mestres importantes, como Bimba e Pastinha, que morreram em sérias dificuldades financeiras, existe a sugestão da elaboração, junto à Previdência Social, de um plano especial para mestres acima de 60 anos que tenham tido dificuldades de contribuir com a entidade ao longo dos anos. Como se trata de uma ação de emergência, que busca acolher os mestres atuais que vivem em absoluto estado de carência, recomenda-se que essa proposta tenha implantação imediata e perdure até que os futuros mestres possam dispensar essa ação de salvaguarda.O presidente do Iphan, Luiz Fernando, destacaou, durante a cerimônia no Teatro Castro Alves, que "recomenda-se que esta proposta tenha implantação imediata e perdure até que os mestres possam se sustentar".

  • Estabelecimento de um Programa de Incentivo da Capoeira no Mundo

Outro ponto importante diz respeito à dificuldade dos mestres circularem pelos países onde são convidados a ensinar capoeira. Espera-se que o Itamaraty possa inserir a capoeira nos seus programas de apoio à difusão da cultura brasileira e, dessa maneira, facilitar o trânsito de mestres e grupos que oferecem cursos e apresentam rodas no exterior. Luiz Fernando de Almeida ressaltou que a Capoeira é, atualmente, uma manifestação que representa o Brasil no exterior tanto quanto a Música Popular Brasileira e o Futebol.

  • Criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira

Foi proposta a criação do Centro Nacional de Referências da Capoeira no Brasil, que será virtual, de caráter multidisciplinar e multimídia, com o objetivo de abrigar produções científicas, acadêmicas e audiovisuais, dentre outras. Espera-se que essa iniciativa possa facilitar consultas de referências existentes sobre a capoeira.

  • Plano de manejo de biriba e outros recursos

Atualmente, existe um amplo e crescente mercado de bens culturais constituídos por itens da cultura material da capoeira. Muitos deles são confeccionados artesanalmente, valendo-se da técnica e matéria-prima nativa do Brasil. A biriba - madeira tradicionalmente utilizada na confecção dos berimbaus - é a mais utilizada, mas há outras madeiras da Mata Atlântica ameaçadas de extinção, como o pau d´arco, a pitomba, a tauarí , dentre inúmeras outras. Sugere-se o plano de manejo dessas espécies nativas ameaçadas para atender à crescente demanda de matéria-prima para a confecção dos berimbaus e demais instrumentos.

  • Fórum da Capoeira

O objetivo desse fórum é estimular encontros periódicos dos mestres e estudiosos da capoeira, em parceria com universidades. É notório que alguns mestres possuem conhecimento acadêmico, mas não é o caso da maioria. Pretende-se com essa medida integrar a tradição oral ao ambiente de pesquisa acadêmica.

  • Banco de Histórias de Mestres de Capoeira

Com a criação dessa medida, serão realizadas oficinas de história oral para capoeiristas interessados em registrar as trajetórias de vida de mestres antigos. O objetivo desse banco é dar suporte e integrar o Centro Nacional de Referências da Capoeira.

  • Realização do Inventário da Capoeira em Pernambuco

Existe a intenção de incentivar, auxiliar e aprofundar as pesquisas sobre a capoeira em Recife, com base nas referências indicadas durante o processo de inventário utilizado no pedido de registro




Capoeira agora é patrimônio cultural brasileiro


Correia da Bahia

A capoeira é o mais novo patrimônio cultural brasileiro. O registro foi votado e aprovado nesta terça-feira (15), em Salvador, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Estiveram presentes ao evento o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, o governador da Bahia, Jacques Wagner, o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, os embaixadores da Nigéria e do Senegal, além de autoridades locais.
O presidente do Iphan anunciou a inclusão do ofício dos mestres da capoeira no Livro dos Saberes, e da roda de capoeira no Livro das Formas de Expressão. A divulgação e implementação dessa atividade em mais de 150 países se deve aos mestres, que tiveram sua habilidade de ensino reconhecida.
Diversos grupos de capoeiristas e mestres de várias regiões do Brasil acompanharam a votação. Eles realizaram uma grande roda em frente ao Palácio Rio Branco, simbolizando o triunfo da manifestação, que já foi considerada prática criminosa no século passado (chegou a ser incluída no código penal da República Velha), e agora é reconhecida como patrimônio cultural.
Um grande evento em homenagem à capoeira foi realizado no Teatro Castro Alves, onde artistas como Naná Vasconcelos - percussionista que ampliou as possibilidades sonoras do berimbau -, Roberto Mendes, Mariene de Castro, Wilson Café e Ramiro Mussoto exaltaram a importância da manifestação.
O pedido de registro da capoeira foi uma iniciativa do Iphan e do Ministério da Cultura, e é resultado de uma ampla pesquisa realizada entre 2006 e 2007 para a produção de conhecimento e documentação sobre esse bem imaterial. Todo o levantamento foi sintetizado num dossiê final que compõe o processo de registro.
O inventário da capoeira foi produzido por uma equipe multidisciplinar de profissionais, em parceria com as Universidades Federais do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e a Federal Fluminense, sob a supervisão do Iphan. As pesquisas foram realizadas no Rio de Janeiro, em Salvador e Recife, principais cidades portuárias apontadas como prováveis origens desta manifestação, e locais onde havia documentação a respeito.
Preservação do patrimônio - O plano de preservação, conseqüente do registro, prevê as seguintes medidas de suporte à comunidade capoeirística: um plano de previdência especial para os velhos mestres; o estabelecimento de um programa de incentivo desta manifestação no mundo; a criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira; e o plano de manejo da biriba - madeira utilizada na fabricação do instrumento - e outros recursos naturais, dentre outras.
Entendem-se por patrimônio cultural imaterial representações da cultura brasileira as práticas, as formas de ver e pensar o mundo, as cerimônias (festejos e rituais religiosos), as danças, as músicas, as lendas e contos, a história, as brincadeiras e os modos de fazer (comidas, artesanato, etc.), junto com os instrumentos, objetos e lugares que lhes são associados - cuja tradição é transmitida de geração em geração pelas comunidades brasileiras. Com a inclusão da capoeira, já existem 14 bens culturais registrados no Brasil.

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