sexta-feira, 29 de junho de 2007

Visão dos Autores sobre: Definição de Escravidão, Origem de Escravidão na África, Comércio, Escravidão Domestica, Escravidão e centralização política

Por Pedro Eurico Rodrigues

Definição de Escravidão

Claude Meillassoux¹: era impossível comparar o ser humano a um objeto, o que era a definição jurídica para o escravo. Para Meillassoux, o escravo é mais que um objeto e um animal, pois supõe, no seu uso, a inteligência. Segundo definições jurídicas a escravidão era o sistema pelo qual os indivíduos tornavam-se objetos de propriedade de seus senhores. Onde a única relação institucional existente reconhecida pelo direito para o escravo era a sua relação com seu senhor. Dentro das sociedades africanas ela assume relações políticas e econômicas, nas aristocracias militares e sociedades mercantis. o que fazia de uma pessoa um escravo era justamente ela ser uma propriedade, pessoa sobre a qual direitos eram exercidos.

John Kelly Thornton²: o escravo era: "uma fonte de trabalho"(p.123). "Uma mercadoria"(p.123). [...] os escravos eram a única forma de propriedade privada que produzia rendimentos reconhecidos nas leis africanas."(p. 125). Em uma parte do texto Thornton coloca que "[...], foi ausência de propriedade corporativa da terra - que levou a escravidão a ser tão difundida na sociedade africana"(p. 125). Ainda coloca em seu texto que a pesquisa moderna revela que os africanos definiam a escravidão com a definição de escravo "[...] - como membros subordinados da família, de muitas maneiras equivalentes a permanentes crianças"(p.139)

Paul E. Lovejoy³: definiu a escravidão como “uma forma de exploração” (p. 29). Vê os escravos como propriedades - que “não tinham direitos, apenas obrigações” (p.31) - de seus senhores, como “bens móveis; o que significa dizer que eles podiam ser comprados e vendidos”, podendo ser tratados como mercadoria (p.30). Além do mais, os escravos eram sempre vistos como estrangeiros. Estranhos meio à sociedade, a escravidão era um meio de negar-lhes direitos e privilégio, para que pudessem ser explorados com objetivos econômicos, políticos e/ou sociais (p. 31). Além de que, “a escravidão era uma forma de punição judicial” (p. 32).

Origem de Escravidão na África

Claude Meillassoux: tenta provar que a escravidão é exógena ao continente africano e que ela decorre internamente no contato entre civilizações diferentes. Para isso, expõe a teoria de Marx e Engels, os quais “dão como condição econômica geral para o aparecimento da escravidão um aumento da produtividade tal que a força de trabalho seja capaz de fornecer mais do que o necessário à subsistência do produtor”. Sendo assim, nota-se a associação entre o surgimento da escravidão e a existência de produtos excedentes. Entretanto, o autor concorda com Miers e Kopitoff quando estes dizem que nem sempre os escravos serão usados como produtores. Eles possuíram diversos usos, inclusive sendo destinados a atividades guerreiras ou políticas. Não se trata de obter dos escravos bens de uso, mas sobrevalor.

John Kelly Thornton: Segundo o autor, a escravidão sempre existiu em África. Um dos motivos para o início da escravidão interna tenha possivelmente sido resultado do comércio atlântico. Thornton também afirma que o comércio de escravos tenha existido a partir de um mercado doméstico na África. “[...], a escravidão estava enraizada em estruturas legais e institucionais arraigadas das sociedades africanas, e sua operacionalização diferia muito do modo pelo qual subsistia nas sociedades européias” (p.125).

Paul E. Lovejoy: Quase sempre através da violência. O que se designa “escravo” nessas sociedades são pessoas capturadas em guerras, condenadas a serem vendidas como conseqüência de um crime ou como punição. Assim como Meillassoux, Lovejoy acredita que a escravidão não nasceu no continente africano, pois estruturalmente não havia como ela existir. É a partir da conquista muçulmana de parte da África e da conversão dos soberanos africanos que se instala o que entendemos por escravidão. Conforme Lovejoy, ela ainda é marginal nos Estados africanos; é com a demanda de escravos para a Europa e a possibilidade de novas formas de riqueza para os africanos, que se torna uma instituição e deixa de ser interpretada como “escravidão de linhagem” (que é a subjugação de uma linhagem por outra, o que não significa – por falta de características – que uma escravizava a outra).

Comércio

Claude Meillassoux: Não é possível pensar escravidão sem mercado. É justamente a partir dos excedentes, os quais passam a ser comercializados, que surge a necessidade da mão-de-obra para uma produção além da auto-suficiência. Meillassoux fala do comércio quando trata das sociedades domésticas africanas para ressaltar que este não faz parte delas, visto que são sociedades auto-suficientes e, sendo assim, não produzem excedentes. As trocas comerciais foram implantadas na África por intermédio dos árabes islamizados, que dominaram parte do continente e atribuíram valor a coisas e pessoas. O dromedário possibilitou que os árabes alcançassem o Bilad al Sudan, expandindo-se e fazendo com que as sociedades africanas se vissem incluídas num sistema que utilizava trocas comerciais, perdendo assim seu caráter auto-suficiente. Estabelecida a relação de dependência para com os árabes, deu-se início às desigualdades que permitiram a formação dos reinos e, a partir de então, as guerras das quais se originariam os capturados – por vezes transformados em escravos e entregues aos comerciantes para serem vendidos, multiplicando ainda mais as redes comerciais.

John Kelly Thornton: O autor afirma que desde antes da chegada dos europeus e do início do comércio euro-africano, os africanos já eram comerciantes experientes e de modo algum foram dominados. Não foram assim, forçados a vender seus pares por uma inferioridade mercantil que não teria existido. Diz sobre o comércio de escravos que este foi desenvolvido e organizado racionalmente pelos africanos que delem participaram e, de forma alguma, sofreu pressão externa, visto que tinham completo controle sobre o mesmo.

Paul E. Lovejoy : Comércio Transatlântico - O crescimento e a expansão do tráfico europeu de escravos através do oceano Atlântico tiveram um impacto decisivo na evolução da escravidão na África [...] (p. 51)
A abertura do Atlântico ao comércio marcou uma ruptura radical na história da África, especialmente porque este comércio também envolvia a exportação de milhões de escravos. (p. 51)
Os europeus queriam trabalhadores para o campo e para as minas. (p. 52)
Comércio Interno – O crescimento do mercado inteiro emergiu juntamente com a agricultura de plantation na costa oriental africana, exigindo grande quantidade de mão-de-obra. (p. 237).
“O movimento de escravos por intermédio do comércio e como tributo era considerável por toda a savana e permaneceu assim até os últimos anos do século XIX”. (p. 241)


Escravidão Domestica

Claude Meillassoux: Conforme o autor, na sociedade doméstica africana a escravidão era impossível, afinal quem estava fora dessa estrutura produtivo-reprodutiva era estranho (excluído) e o estranho absoluto era, frequentemente, morto. A distinção entre ingênuo e estranho era meramente social. A escravidão tornou-se possível quando tal estrutura se rompeu. E ela se rompeu por que com o aumento da produção vieram os excedentes, os quais precisavam de uma maior força de trabalho (produtiva) para disseminar-se, junto a noção de patrimônio e, posteriormente, de propriedade – tornando-se uma sociedade de classes. O surgimento da escravidão nessas sociedades esteve intimamente ligado a sua inserção em um mercado. Assim, o escravo dessas sociedades era mais do que alguém a ser explorados, era alguém que ela não conseguiu absorver. Ele era tido como estranho por não poder se reproduzir socialmente, por não ter direito a uma mulher. Entretanto o produto da sua exploração não ia unicamente para as mãos de seu proprietário. O dono do escravo também trabalhava, não vivia apenas do que era produzido pelo escravo, sendo que este era apenas um alguém relativamente dispensável nesse tipo de sociedade – e o produto de seu trabalho era distribuído nela.
Escravidão islâmica
A não-conversão era usada pelos árabes islamizados como desculpa para capturar africanos. Contudo, segundo os preceitos do Islã, os capturados de guerra tinham que trabalhar na produção agrícola até se converterem. Apenas após a conversão estariam incluídos nessas sociedades. Egípcios roubavam crianças Sudan. Os islamizados foram grandes exportadores de escravos. O trafico de escravos foi um grande recurso nas formações políticas e militares da zona sahelo-sudanesa: Tekrur, Gana, Mali, Silla. Quando o islamismo se expandiu, espalhou-se também a possibilidade do uso de mão-de-obra escrava em quaisquer comunidades.
Escravidão atlântica
A busca de escravos para o além-mar (Europa-América) era por homens adultos e de acordo com o trabalho a que seriam destinados. Mulheres e crianças eram pouco absorvidos e, por isso, pouco visados.



John Kelly Thornton: Os escravos africanos não recebiam tratamento diferente dos camponeses agrícolas, pois eles eram o equivalente funcional de arrendatários livres e trabalhadores contratados na Europa. Eram “escravos só no nome” porque tinham relativa liberdade e ampla variedade de empregos em que eram postos. O trabalho que faziam não era desprestigiado socialmente, porque poderia ser realizado por pessoas livres a serviço do estado. Eram um modo seguro de gerar fortuna e também vistos como funcionários leais, já que eram dependentes.
Escravidão islâmica
Compravam escravos que podem ter sido utilizados em jazidas minerais.
Escravidão atlântica
Na Europa a terra era a principal forma de propriedade privada lucrativa e os escravos ocupavam posição social inferior. O autor cita fontes as quais afirmam que na Europa os escravos eram usados apenas quando trabalhadores “contratados” não eram encontrados. Diz ainda que a escravidão atlântica teve início quando os europeus tiveram contato com os mercadores africanos, que já comercializavam escravos – o que os europeus se oferecer para comprar.



Paul E. Lovejoy: Escravidão Islâmica – Os islâmicos dos séculos VIII, IX e X traziam consigo a cultura de escravizar sociedades de parentesco. As guerras santas que expandiam o islã aprisionavam escravos, e justificavam o ato como base na religião.
Os Estados muçulmanos desse período interpretavam a antiga tradição escravista de acordo com a sua nova religião, mas muitos dos usos dados aos escravos eram os mesmos de anteriormente - eles eram utilizados nos serviços militar, administrativo e doméstico. (p. 47)
Na tradição islâmica, a escravidão era vista como um meio de converter os não-muçulmanos.(p. 49)
Em muitas sociedades islâmicas, os escravos também executavam tarefas que eram mais diretamente relacionadas com a produção e o comércio.(p. 50)
Esses diferentes usos dos escravos, a distinção mais clara entre escravos e livres e o emprego ocasional de cativos nas atividades produtivas demonstram uma diferença nítida entre a escravidão nas sociedades baseadas no parentesco e a escravidão da lei e da tradição islâmicas.(p. 50)
Escravidão Atlântica – A evolução da escravidão da África se deu graças ao tráfico atlântico de escravos.
A atração do mercado atlântico tinha o efeito de afastar ainda mais as formas locais de escravidão de uma estrutura social na qual o escravismo era apenas uma entre outras fontes de dependência pessoal, para um sistema no qual os cativos desempenhavam um papel cada vez mais importante na economia. (p. 51)


Escravidão e centralização política

Claude Meillassoux: Quando começaram as capturas de populações inteiras, com o objetivo de destiná-las ao comércio de escravos, algumas populações passaram da defesa para o ataque. Depois de se fortificarem e formarem Exércitos bem preparados, os efeitos do comércio já estavam estabelecidos e então passaram a atacar outras populações. Desse contingente de escravos obtidos, grande parte era incorporada ao Exército guerreiro, que garantia a proteção do Estado. Foi também através desse contingente que eles puderam multiplicar recursos, o que permitiu a consolidação da centralização política da maioria das sociedades africanas.

John Kelly Thornton: O desenvolvimento de um Exército ou administração composto por escravos ajudou a centralizar, por exemplo, o Império de Songhai. A escravidão também pode ter colaborado para o processo de centralização de monarcas na África Central e Ocidental. Na maioria dos casos, eram dos escravos que provinham os recursos necessários para a centralização dos Estados. Os guerreiros, que capturavam pessoas a serem vendidas e escravizadas, também direcionavam certo prestígio para seu Estado/Reino/Império, porque a subjugação dessas populações fortalecia o poder do soberano.

Paul E. Lovejoy: O islã escravizava com base na religião, e os cativos vinham das áreas de fronteira onde a guerra santa era trava, para abastecer as províncias islâmics centrais. Os escravos eram utilizados no exército e no governo, funções inexistentes em sociedades sem estado.

Fontes

Claude Meillassoux:
- Tariks
- Relatos de: Al-Yakubi (872), Al Istakhri (951), Edrini (1154), Ibn Idhari (séc XV), Al-Omari (séc XIV).
- Autores, como: Miers e Kopitoff, Marx e Engels, E. Benveniste, Rey, Olivier de Sardan.

John Kelly Thornton:
-Documentos;
-Tariks dos séculos XVI e XVII;
-Observadores, como: Al-Umari (séc. XIV), Alvise da Mosto (séc. XV), Pieter de Marees (séc. XVII), Álvares Velho (1499 - 1506), Glacinto Brugiotti da Vetralla (séc. XVII);
-Outros autores, como: Dapper, Walter Rodney, Paul Lovejoy, J. D. Fage, Lave Eltis.
(Suas fontes provam o quanto o autor é anacrônico – e eurocentrista)


Paul E. Lovejoy:
-Documentos sobre o numero de escravos exportados;
-Relatos de Joseph Wright e Samuel Crowther;
-Tradições orais reunidas por Elizabeth Isichei no século XIX.


(1) MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1995

(2) THORNTON, John Kelly. A escravidão e a estrutura social na África. In: A África e os africanos na formação do mundo Atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

(3) LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Baseado os trabalhos dos Alunos: Eduardo Maricato Riciardi, Leandra Custódio, Patrícia Ventura, Reges Miguel Philippsen,Anelise Rodrigues Machado de Araujo, Camila Serafim Daminelli, Tamna Amandio,Gustavo da Silveira Postiglione, Maurício Santiago.