quarta-feira, 25 de junho de 2008

Centenário Solano Trindade

Solano Trindade por sua filha Raquel


No dia 24 de julho de 1908, isto é, há cem anos, nascia Solano Trindade, um poeta de importância fundamental para a literatura afro-brasileira. Solicitamos à sua filha, Raquel Trindade, que falasse (ou melhor, escrevesse) um pouco sobre seu pai e ela gentilmente nos brindou com o texto a seguir, que desenha um rosto bem humano de um poeta que precisa ser lido sempre, especialmente pelas novas gerações.

SOLANO TRINDADE, MEU PAI
RAQUEL TRINDADE

Creio que é o sonho de toda criança: ter um pai como o meu. Na época em que os pais batiam muito nas crianças, ele era carinhoso e paciente com a gente: eu, Godiva, Liberto e Chiquinho. Em 1945, ele já falava no Direito da Criança, quando essa lei nem sonhava em existir.

Antes de sair para o trabalho, para vender seus livros e quadros (que trabalho, dirão meus irmãos trabalhadores, ele dizia quando entrava no trem da Leopoldina em Duque de Caxias, no Rio), ele brincava com a gente no quintal.

Um dia uma vizinha foi fazer queixa de mim, porque eu tinha batido no filho dela. Ela dizia: - Essa menina precisa de uma surra.

Meu pai, pra satisfazer a vizinha, disse pra mim: - Você não quer ser artista? Vamos fazer um teste, eu vou bater com o cinto na parede e você grita como se estivesse apanhando de verdade -. E assim foi... A vizinha ouviu os gritos de sua casa, e foi encontrar minha mãe Margarida no caminho: - Dona Margarida, estou morrendo de remorso, fiz queixa da Raquel e seu Francisco deu uma surra nela.

MARGARIDA - Francisco, você bateu em Raquel?

SOLANO - Que nada, essa menina é uma artista, eu batia na parede e ela gritava.

De tarde, a vizinha, ainda com remorso, me trouxe um bolo.

Quando eu tinha 8 pra 9 anos, meu pai arranjou um emprego no IBGE da Praia Vermelha (Rio), só que me levava junto, assinava o ponto e saía comigo, me levava na Pinacoteca, na Biblioteca Nacional, na Escola de Belas Artes, no Municipal do Rio de Janeiro para assistir óperas, balé e música clássica. Parávamos depois no bar Vermelhinho, na rua Araújo Porto Alegre, em frente à Associação Brasileira de Imprensa (Rio), onde ele se encontrava com Grande Otelo, a pintora Djanira, Aldemir Martins, o sociólogo Edson Carneiro, com quem, junto com a minha mãe, criou o Teatro Popular Brasileiro. Estava também o Barão de Itararé, Silveira Sampaio, Paschoal Carlos Magno, Aníbal Machado, a intelectualidade e os militantes de esquerda do Rio de Janeiro. E nessa, esquecia de assinar o ponto de volta no IBGE.

À noite, íamos assistir o Teatro Experimental do Negro, do Abdias Nascimento; outra noite, a Orquestra Afro-Brasileira e Abigail Moura; outra noite, o Ballet Afro de Mercedes Batista e o ensaio do grupo folclórico de Haroldo Costa, onde minha mãe ensinava dança.

Meu pai conversava muito comigo, me falava dos problemas raciais, da má divisão de renda do povo brasileiro. Me dizia do respeito que se devia ter com as diferenças, me falava da história da África, como eu devia me orgulhar de ser negra, sem discriminar qualquer outra raça. Enquanto minha mãe (Terapeuta Ocupacional, trabalhou no Museu da Imagem do Inconsciente, com Dra. Nice de Oliveira; era uma exímia costureira, bordadeira) me ensinou a fazer os serviços domésticos, a ser sempre honesta, a me afastar de vícios, como fumar e beber.

Ela, mesmo presbiteriana como era, me ensinou todas as danças folclóricas, com exceção das danças dos Orixás, que aprendi quando entrei no Candomblé.

Papai me orientava para as artes, me levando a ateliês de seus amigos, comprando livros, porque sabia que eu gostava de ler.

Fiz o primário gratuito porque tinha uma senhora, Dona Armanda Álvaro Alberto, que mantinha uma escola para as crianças pobres de Caxias, muito avançada, nos moldes europeus.

Mas o ginásio, não tinha público, papai pagava com dificuldade, pois ele vivia da arte. Aí eu atrasava o pagamento, passava abaixadinha na secretaria para que o Dr. Ely Combat (diretor do ginásio de Caxias) não me visse, aí ele ia até a sala de aula e falava:

- Quem não pagou a mensalidade não faz prova...

Falava com papai, ele dizia: - Filha, não vou lhe deixar nada material, só o que você estudar, vou pra cidade tentar vender um quadro ou livros, mas você não vai perder a prova.

Eu tinha uns 9 anos quando ele foi preso político. Policiais truculentos, armados até os dentes, invadiram à noite a nossa casa, ele estava de cueca "samba-canção", acalmava a gente, eu e minha irmã chorando, Liberto com sarampo na cama que os policiais reviraram dizendo que tinha armas escondidas. Logo papai, que era pacifista como Gandhi, mamãe ficou brava com os policiais.

Levaram ele... Mamãe ia de prisão em prisão com a gente, até que descobriu que ele estava preso incomunicável na Rua da Relação (Rio).

Depois, quando eu estudava o clássico, me levou para a Europa com o elenco do Teatro Popular Brasileiro, ele foi de avião, nós fomos de navio Louis Limiere, e voltamos no Provence.

Em 1961, convidados pelo escultor Assis, viemos para o Embu.

E hoje coloco em prática, com filhos e netos, todos os ensinamentos desse grande pai Solano Trindade.

Obrigada meu pai Francisco Solano Trindade e Maria Margarida da Trindade por terem existido.


Raquel Trindade, 26 de junho de 2008 - Embu das Artes, São Paulo - Brasil


Poema inédito de meu pai:

NEM SÓ DE POESIA VIVE O POETA

Nem só de poesia vive o poeta
há o "fim do mês"
o agasalho
a farmácia
a pinga
o tempo ruim, com chuva
alguém nos olhando
Policialescamente
De vez em quando
Um pouco de poesia
Uma conta atrasada
Um cobrador exigente
Um trabalho mal pago
Uma fome
Um discurso à moda Ruy
E às vezes uma mulher fazendo carinho
Hoje a lua não é mais dos poetas
Hoje a lua é dos astronautas

Solano Trindade



Um centenário poeticamente negro
Se estivesse vivo, o pai da poesia assumidamente negra completaria 100 anos de idade
Colaboração: Juliana Costa


Colaboração: Juliana Costa
Imagine um homem negro, considerado por intelectuais e crítica especializada como um dos nomes mais relevantes do cenário cultural brasileiro. Imagine-o como uma pessoa consciente da importância de seu papel, mas ligado às suas origens e preocupado com questões sociais. Depois de sua morte seria natural que ele, considerado um gênio, fosse imortalizado através da propagação de seu nome e de sua obra, certo?

Sim, isso seria mais do que justo. Mas não foi o que aconteceu com Solano Trindade.

Nascido no Recife de 1908 e falecido em 1974, no Rio de Janeiro, Trindade foi poeta, ator, pintor e cineasta, além de trabalhar com dança e teatro. Nascido pobre e negro, conseguiu, através de sua arte e seu trabalho, ser reconhecido nacional e internacionalmente, mas hoje está quase completamente esquecido.

Mesmo reverenciado por nomes como Carlos Drummond de Andrade, Darcy Ribeiro, José Louzeiro e Sérgio Milliet, Solano não consta nos manuais de literatura, não é um autor mencionado nas escolas e nem é encontrado com regularidade nas livrarias e bibliotecas.

Prova disso é que mundos tão diferentes quanto os de Carla Maria, 24, auxiliar de serviços gerais e Josbeth Macário, 24, jornalista, concordam num ponto: desde os tempos de escola (ela, em instituição pública; ele, em instituição privada) até hoje, nunca ouviram falar do nome, da obra e da importância de Solano.

"É mesmo uma pena ter de reconhecer que um autor com tantos predicados tenha sido assim negligenciado. Mesmo com todos os meios de popularização dos quais dispomos hoje, ele foi deixado de lado - apesar de toda a produção e de todo o esforço dele pra contribuir pra melhoria da sociedade", afirma o jornalista. Já Carla faz a seguinte colocação: "Vai ver, isso aconteceu também porque ele era preto. Você sabe, tem gente que discrimina, com ele não ia ser diferente".

Injustiçado

Apesar das dificuldades editoriais do período, Solano deu contribuições valiosas à produção nacional. Seu maior legado, afirmam especialistas, é ter sido o pai daquela que foi e é chamada a poesia assumidamente negra - a que, como ele mesmo definiu, cantava no "estilo do nosso populário, buscando no negro o ritmo, no povo em geral as reivindicações sociais e políticas e nas mulheres, em particular, o amor".

Além do quase total esquecimento em que suas contribuições caíram, sua obra até hoje não ganhou numerosas reedições, tal como aconteceu com autores contemporâneos dele. Houve uma tentativa da editora Cantos e Prantos, ocorrida em 2000, com o objetivo de reunir a obra do poeta no volume intitulado Solano Trindade - O Poeta do Povo. A publicação nunca saiu devido a problemas estruturais da pequena editora. Em 25 de junho deste ano, foram lançados os livros Tem Gente com Fome e Poemas Antológicos, em comemoração ao centenário do autor.

Ainda assim, o acesso à obra de Solano é difícil. Para todos os efeitos, quem quiser ler qualquer verso deste autor terá de recorrer a bons sebos ou a uma pesquisa on line.

A presença de uma personalidade artística tão fértil e engajada como a deste autor causava, a um só tempo, admiração e rejeição em diferentes camadas da sociedade brasileira. Exemplo disso é que, mesmo elogiado por tantos artistas e intelectuais, seu trabalho com o Teatro Experimental do Negro recebeu violentos ataques de conservadores. A estréia do TEN, em 1945, foi "brindado" com editorial, no jornal O Globo, que afirmava se tratar de "um grupo palmarista tentando criar um problema artificial no País".


Núcleo de Teatro Experimental do Negro-SP (1951) / Diretor Solano Trindade


Militância

Não foram apenas as artes que ganharam com as contribuições de Solano Trindade. Ainda dentro da esfera da responsabilidade social, o artista contribuiu com a realização de diversos eventos que visavam o combate à desigualdade social e à valorização do negro. Nesse intuito, organizou na década de 1930 o I e o II Congressos Afro-Brasileiros e fundou com Barros Mulato e Vicente Lima a Frente Negra Pernambucana e o Centro Cultural Afro-Brasileiro; na década seguinte, criou o Grupo de Arte Popular e o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, além de lançar o Teatro Experimental do Negro, o Teatro Folclórico Brasileiro (com Haroldo Costa) e a Orquestra Afro-Brasileira (com Paulo Ramalho); já na década de 1950 fundou, com Edson Carneiro, o Teatro Popular Brasileiro e criou o grupo de dança Brasiliana, que bateu recorde de apresentações no exterior.

Apesar da relevância que seu nome ganhava, ele fazia questão de dar aulas e oficinas para operários, estudantes e desempregados. Seus esforços foram muito importantes e reconhecidos por contemporâneos, o que provocou a reação do conservadorismo reinante na primeira metade do século XX (vide a recepção de algumas instituições da época diante do trabalho do artista) e ainda atuante na segunda metade do período.

Trabalhos

Solano Trindade foi um artista multifacetado. Trabalhou com pintura, cinema, dança, teatro e poesia - esta última, considerada de suma importância por especialistas.

Escreveu os livros Poemas Negros, Poemas de Uma Vida Simples, Seis Tempos de Poesia e Cantares de Meu Povo, todos entre as décadas de 1930 e 1960. Atuou nos filmes Agulha no Palheiro, Mistérios da Ilha de Vênus e Santo Milagroso, além de ter produzido Magia Verde, premiado no Festival de Cannes de 1953. Foi o primeiro a montar a peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, e teve seu trabalho com o Teatro Popular Brasileiro elogiado por grupos como a Ópera de Pequim,a Cia Italiana de Comédia e a Comédia Francesa, além dos elogios recebidos de personalidades como Edith Piaf.

Em 1988, o Centro Cultural Solano Trindade (fundado em 1975) publicou o livro Tem Gente com Fome e Outros Poemas.

Homenagens e sessão solene

As homenagens em reconhecimento à importância do artista acontecem pelo país. Em Embu das Artes (SP), foi realizado o Festival Solano Trindade entre os dias 21 e 22 de julho; no Recife (PE), a edição de 1º de julho da Terça Negra foi especialmente feita para homenagear o centenário do poeta; no calendário de eventos do Conselho Estadual dos Direitos do Negro (RJ) consta a comemoração do centenário de Solano Trindade prevista para hoje, 24 de julho.

A Câmara dos Deputados terá Sessão Solene em homenagem a Solano no dia 08 de agosto, às 15h. O deputado federal Vicentinho (PT/SP) fez o Requerimento 2680/08, aprovado por seus colegas de Casa, a fim de que a sessão fosse realizada. De acordo com o parlamentar, é apenas uma "homenagem justa" para aquele que foi chamado de "o vento forte da África".
Cojira Alagoas


Aberto o Centenário Solano Trindade

"Eu estou muito emocionada, muito feliz", disse Raquel Trindade na abertura do evento que comemora os 100 anos do nascimento de seu pai, Solano Trindade, no palco do Centro Cultural Embu das Artes, no dia 4 de julho. Revelando a importância de Solano Trindade para a cultura popular brasileira, a Prefeitura de Embu promoveu junto aos Correios o lançamento do selo postal e carimbo personalizados comemorativos da data. Durante um mês todas correspondências remetidas de Embu terão esses registros, levando a imagem e o nome do principal poeta e ativista negro contemporâneo do país para qualquer parte do mundo.

O multiartista radicado no Embu (falecido em 1974), elogiado por intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Darcy Ribeiro, Sérgio Milliet, entre outros, completaria o centenário em 24 de julho. Para reverenciá-lo, a Prefeitura promove atividades artístico-culturais até o fim do mês (veja a programação na página de Turismo).

Solano Trindade não poderia deixar uma herança mais multirracial e cultural. A família Trindade mistura negros, brancos, amarelos, índios. "Papai já tinha a visão de que a gente se unisse a todas as raças, tanto que tenho netos "japonegro", afro-germânico, e papai falava "tenha orgulho de ser negro e das nossas tradições"", ressaltou Raquel, folclorista e artista plástica que herdou e transferiu para sua geração o talento do pai e também da mãe, Margarida Trindade. Ambos, em 1950, junto com Edson Carneiro fundaram no Rio de Janeiro o Teatro Popular Brasileiro, teatro folclórico de valorização da cultura popular. Ela lembrou ainda quando Solano chegou ao Embu, convidado por Sakai e Assis. "Ele ficou louco pelo Embu, achou que tudo que havia de ruim no mundo, Embu tinha de bom". Das lições deixadas por Solano a Raquel e seus descendentes, uma é lembrada em especial. "Papai certa vez me disse: "não vou deixar nada de material. Se você gosta de arte filha, se entregue a ela. A arte é o alimento da alma"".

Vítor da Trindade e banda cantam Solano

De fato, da arte a família Trindade extrai o alimento que a revigora. Talento os Trindade têm de sobra. Vítor da Trindade, no vocal - ao lado dos filhos Manu, bateria, e MC Trindade, vocal, do percussionista Carlos Caçapava e do baixista Beto Birger - apresentou poesias do avô Solano musicadas por ele. O projeto deve resultar num CD que inclui no repertório as excelentes "A Velhinha do Angu", "Xangô", "Poema à Mulher Negra" e "Navio Negreiro". Segundo Vítor, antes as canções estavam intelectuais demais, depois ele foi descobrindo novos caminhos, adotando o estilo mais popular possível, como o avô gostaria que fosse.

Antes de apresentar o Maracatu do Teatro Popular Solano Trindade, Raquel Trindade já expressava sua emoção. "Eu sou a mulher mais feliz do mundo. Tenho a arte, filhos, netos maravilhosos, só não tenho dinheiro, mas aí seria covardia... Estou muito feliz", falou à platéia formada por autoridades municipais e um público que lotou o Auditório Cassio M´Boy para prestigiar o evento.


Cem anos de Solano Trindade

A razão de ser da cultura popular, expressada em diversas faces da arte, das tradições folclóricas, do patrimônio material e espiritual de um povo, encontrou em Solano Trindade sua marca de manifestação. "Solano", originário do latim, significa "O vento do levante". Há quem interprete a palavra como "Vento forte da África". E foi como um forte vento afro-brasileiro que Solano Trindade movimentou os cenários da cultura popular por onde passou, principalmente entre os anos 30 e 60.

Francisco Solano Trindade nasceu no berço miscigenado da cultura popular, no bairro São José, Recife, Pernambuco, em 24 de julho de 1908. No Embu, ele chegou em 1961 e se apaixonou pela cidade, sendo um dos precursores do movimento que a transformaria em Embu das Artes. Poeta, escreveu Poemas D´uma Vida Simples (1944), Seis Tempos de Poesia (1958) e Cantares ao Meu Povo (1961). Ator, foi o primeiro a interpretar Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, no teatro, e participou de filmes como O Santo Milagroso, Agulha no Palheiro e, como co-produtor de Magia Verde, foi premiado em Cannes. Multifacetado, Solano foi também teatrólogo, folclorista, pintor. Sua obra recebeu elogios de intelectuais do porte de Sérgio Milliet, Carlos Drummond de Andrade, Roger Bastide, Otto Maria Carpeux, Darcy Ribeiro, entre outros. Dentre seus poemas, Tem Gente com Fome foi talvez o mais famoso e elogiado, tendo sido musicado em 1975 pelo grupo Secos & Molhados. A censura, no entanto, proibiu a execução e somente em 1980 Ney Matogrosso, já em carreira solo, incluiu a música em seu disco. O multiartista faleceu em fevereiro de 1974, deixando sua arte como legado.

Tem gente com fome
"Trem sujo da Leopoldina,/ Correndo correndo,/Parece dizer:/ Tem gente com fome,/ Tem gente com fome,/ Tem gente com fome.../ Piiiii!/(...) Só nas estações,/Quando vai parando,/Lentamente, começa a dizer:/Se tem gente com fome,/Dai de comer.../Se tem gente com fome,/Dai de comer.../Mas o freio de ar,/Todo autoritário,/Manda o trem calar:/Psiuuuuu..."
Solano Trindade

Capoeira vira patrimônio cultural brasileiro

Capoeira vira patrimônio cultural brasileiro
(16/07/2008 - 10:49)

Manifestação cultural está inscrita nos Livros dos Saberes e das Formas de Expressão
Comunicação Social/MinC
Texto e fotos: Carol Lobo

No DNA físico e cultural do povo brasileiro está a contribuição africana
e só por preconceito é possível não reconhecê-la.

Juca Ferreira, ministro da Cultura interino

O registro do Ofício dos Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira como forma de expressão é mais um símbolo de uma vontade política que não se encerra no Iphan ou no Ministério da Cultura, mas que reflete o desejo maior da sociedade de promover e valorizar as expressões culturais vinculadas aos setores culturais historicamente excluídos das políticas de Estado.

Luiz Fernando de Almeida, presidente do Iphan

O dia 15 de julho de 2008 vai ficar marcado na memória dos Mestres de Capoeira, dos capoeiristas e de todos os admiradores de uma das maiores expressões culturais afro-brasileiras: a Capoeira. Essa é a data em que a manifestação foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro e registrada como Bem Cultural de Natureza Imaterial.

A proposta de registro - a inscrição do Ofício dos Mestres de Capoeira no Livro dos Saberes e da Roda de Capoeira no Livro das Formas de Expressão - foi aprovada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), durante reunião nesta terça-feira, em Salvador.

Capoeiristas da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro se distribuíram em diversas Rodas de Capoeira em frente ao Palácio Rio Branco, no centro da capital baiana, enquanto aguardavam o resultado da votação, que estava sendo realizada na Sala dos Espelhos, da antiga sede do governo estadual.

Os membros do Conselho Consultivo - composto por representantes de entidades governamentais e da sociedade civil - acataram, por unanimidade, o registro da Capoeira como Patrimônio Cultural. A sessão deliberativa ocorreu com a presença do ministro da Cultura interino, Juca Ferreira; do governador da Bahia, Jaques Wagner; do presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida; do presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo; dos embaixadores Kayode Garrick e Fode Seck, respectivamente da Nigéria e do Senegal; além de autoridades locais.

"Hoje tenho certeza que estamos vivendo um momento histórico nesse processo de valorização da Capoeira", afirmou Juca Ferreira, ao ressaltar que com a decisão o Brasil fica mais próximo do ideal da democracia racial. "O significado maior desse dia não beneficia apenas a Capoeira, mas beneficia a todos nós, beneficia o Brasil."

"Fiquei pensando, antes de chegar aqui, se era coincidência que os dois presidentes que fizeram movimento em direção à Capoeira tenham sido Getúlio e, agora, o Lula. Acho que não. Foram os dois presidentes que mais se aproximaram da população brasileira e de colocar o Estado mais próximo da população."

Homenagem - Após o anúncio da decisão do Conselho, Juca Ferreira foi homenageado pelos capoeiristas, na Praça Municipal Tomé de Sousa. Na ocasião, lhe foi ofertado um cartão com uma caricatura dele ao lado do ministro Gil, com frase de exaltação: ´Capoeira, Educação e Cultura´.

Festa de Celebração

À noite, no Teatro Castro Alves, ocorreu uma grande comemoração que reuniu autoridades, personalidades e populares. Em pronunciamentos exibidos por meio de um telão, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, enviaram seus cumprimentos e celebraram o título de Patrimônio Cultural Brasileiro recebido pela Capoeira.

O evento contou com espetáculo no qual participaram a Orquestra de Berimbaus da Bahia, o músico Wilson Café acompanhado de adolescentes da Escola de Educação Percursiva Integral, o Mestre Lourimbau, Roberto Mendes, Mariane de Castro, Ramiro Musotto e Mestre Nenél (filho de Mestre Bimba), além do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos.

O presidente Lula afirmou tratar-se de uma data muito especial para o país e que a Capoeira é motivo de "orgulho nacional, praticada em mais de 150 países de todos os continentes". "Foi preciso muitos anos para que reconhecêssemos o seu valor cultural. Getúlio Vargas foi quem deu o primeiro passo ao receber pessoalmente o Mestre Bimba, criador da Capoeira como arte marcial. De lá pra cá o Estado se dividiu entre a perseguição e a indiferença à Capoeira, chegando até a dizer quem poderia e quem não poderia ensinar essa arte. Mas tudo isso é passado. Estamos finalmente fazendo justiça."

"A Capoeira dança, Capoeira luta, Capoeira artes circenses, Capoeira em todos os sentidos. Parabéns aos capoeiristas, parabéns a todos nós brasileiros", exultou o ministro Gilberto Gil, por sua vez, ao apoiar a decisão dos conselheiros: "já era hora; muito merecida".

A Bênção, Mestres!

O ministro interino Juca Ferreira afirmou que "faz parte da repactuação que estamos vivendo neste momento no Brasil, de qualificação de nossas relações, de zerar a nódoa da escravidão no Brasil. Isso tem que ser tarefa de todo homem e toda mulher de bem no Brasil". "A dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer a grandeza dessa manifestação é um sintoma que a herança da escravidão deixou marcada na nossa sociedade." Nesse contexto, ele ainda parabenizou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, pela atuação da instituição no processo de resgate e valorização das raízes africanas na cultura do país.

"Amanhã nosso país vai acordar mais generoso, mais próximo de si mesmo, um pouquinho mais perto da nossa grande utopia da democracia racial", declarou Juca Ferreira, que estava visivelmente emocionado e foi muito aplaudido. Também ressaltou que o ato não seria completo se não fosse reconhecido o saber dos mestres: "sem ele é como se a Capoeira fosse corpo sem alma. A bênção, Mestres. A bênção, Pastinha. A bênção, Bimba. A bênção, João Pequeno. E a bênção a todos os Mestres presentes e os futuros".

O governador Jaques Wagner divulgou que a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia já está tratando do manejo da biriba e das outras madeiras que servem à orquestra de Capoeira, além da preservação das cabaças, que são fundamentais para a dança da Capoeira. E anunciou que em 2009 o estado sediará o primeiro festival internacional da Capoeira.

"Eu considero [a Capoeira] não sei se luta, não sei se dança, não sei se brincadeira, se jogo. Na verdade, como luta, na Capoeira a gente não machuca. Como dança, na Capoeira cada movimento é absolutamente imprevisível, cada um faz o movimento do seu jeito. Como música, cada um fica no seu canto, sempre inspirado no mesmo contexto. E como jogo, jogar em roda significa que a gente não tem um chefe, a gente tem um mestre", explanou Jaques Wagner.

Em seu discurso, o secretário Márcio Meireles reforçou o "momento histórico" e falou sobre a parceria da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia com o Ministério da Cultura em vários programas. "Estamos ajudando na coordenação do Programa Capoeira Viva, que está em sua terceira edição este ano. Estamos lançando dois editais da Capoeira junto com o Ministério também."

Desde a instituição do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, em agosto de 2000, já haviam sido registrados 13 bens representativos da herança cultural do Brasil. O presidente do Iphan ressaltou que "o título é, no entanto, apenas a culminância de um processo muito mais complexo, uma política de reconhecimento do valor patrimonial que acolhe demandas das próprias comunidades produtoras dessas manifestações culturais. Política que está, por sua vez, vinculada ao trabalho constante de fomento e implementação de ações que visam a continuidade e ao fortalecimento da expressão cultural registrada".

A documentação do dossiê que fundamenta o pedido de registro da Capoeira justifica essa solicitação enfatizando seu vínculo com as mais variadas áreas de expressão e conhecimento humano, tais como a arte expressa por diversas linguagens - dança, teatro, música, educação, antropologia, história. "Sobretudo em comunidades pobres, a Capoeira cumpre um papel decisivo na formação de crianças e jovens. Arte multidimensional, oferece um universo vasto a quem se propõe pesquisá-la", destacou Luiz Fernando de Almeida.

O presidente da Palmares assinalou que "a melhor homenagem que a Fundação poderia prestar hoje aqui é relembrar o mestre e poeta baiano Waly Salomão, que dizia que a felicidade do negro é uma felicidade guerreira". Zulu Araújo também apontou a presença, na platéia, de Abdias do Nascimento - criador do Teatro Experimental do Negro e do Museu de Arte Negra - que, aos 94 anos, prestigiou o evento e foi muito elogiado por seu papel pioneiro na formulação de políticas de igualdade racial e de ação afirmativa.

No palco, além das autoridades, representando os capoeiristas do mundo inteiro, estava João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno. Discípulo de Mestre Pastinha, é um dos mais antigos mestres da tradicional Capoeira Angola em atividade. Prestes a completar 81 anos de idade, afirma orgulhoso: "eu não estudei, mas a Capoeira me deu vários tipos de doutor".

Plano de Salvaguarda da Capoeira

As políticas públicas voltadas para a Capoeira estarão configuradas em um Plano de Salvaguarda, que implementará as seguintes ações:

  • Reconhecimento do notório saber dos mestres de capoeira pelo Ministério da Educação

Espera-se que o registro do saber do mestre de capoeira como patrimônio cultural do Brasil possa favorecer a sua desvinculação obrigatória do Conselho Federal de Educação Física, ao qual a capoeira está subordinada. Entende-se que o saber do mestre não possui equivalente no aprendizado formal do profissional de Educação Física, mas que se estabelece como acervo da cultura popular brasileira. A proposta pretende contribuir para que mestres de capoeira sem escolaridade, mas detentores do saber, possam ensinar capoeira em colégios, escolas e universidades.

  • Plano de previdência especial para os velhos mestres de capoeira

Diante de um histórico de mestres importantes, como Bimba e Pastinha, que morreram em sérias dificuldades financeiras, existe a sugestão da elaboração, junto à Previdência Social, de um plano especial para mestres acima de 60 anos que tenham tido dificuldades de contribuir com a entidade ao longo dos anos. Como se trata de uma ação de emergência, que busca acolher os mestres atuais que vivem em absoluto estado de carência, recomenda-se que essa proposta tenha implantação imediata e perdure até que os futuros mestres possam dispensar essa ação de salvaguarda.O presidente do Iphan, Luiz Fernando, destacaou, durante a cerimônia no Teatro Castro Alves, que "recomenda-se que esta proposta tenha implantação imediata e perdure até que os mestres possam se sustentar".

  • Estabelecimento de um Programa de Incentivo da Capoeira no Mundo

Outro ponto importante diz respeito à dificuldade dos mestres circularem pelos países onde são convidados a ensinar capoeira. Espera-se que o Itamaraty possa inserir a capoeira nos seus programas de apoio à difusão da cultura brasileira e, dessa maneira, facilitar o trânsito de mestres e grupos que oferecem cursos e apresentam rodas no exterior. Luiz Fernando de Almeida ressaltou que a Capoeira é, atualmente, uma manifestação que representa o Brasil no exterior tanto quanto a Música Popular Brasileira e o Futebol.

  • Criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira

Foi proposta a criação do Centro Nacional de Referências da Capoeira no Brasil, que será virtual, de caráter multidisciplinar e multimídia, com o objetivo de abrigar produções científicas, acadêmicas e audiovisuais, dentre outras. Espera-se que essa iniciativa possa facilitar consultas de referências existentes sobre a capoeira.

  • Plano de manejo de biriba e outros recursos

Atualmente, existe um amplo e crescente mercado de bens culturais constituídos por itens da cultura material da capoeira. Muitos deles são confeccionados artesanalmente, valendo-se da técnica e matéria-prima nativa do Brasil. A biriba - madeira tradicionalmente utilizada na confecção dos berimbaus - é a mais utilizada, mas há outras madeiras da Mata Atlântica ameaçadas de extinção, como o pau d´arco, a pitomba, a tauarí , dentre inúmeras outras. Sugere-se o plano de manejo dessas espécies nativas ameaçadas para atender à crescente demanda de matéria-prima para a confecção dos berimbaus e demais instrumentos.

  • Fórum da Capoeira

O objetivo desse fórum é estimular encontros periódicos dos mestres e estudiosos da capoeira, em parceria com universidades. É notório que alguns mestres possuem conhecimento acadêmico, mas não é o caso da maioria. Pretende-se com essa medida integrar a tradição oral ao ambiente de pesquisa acadêmica.

  • Banco de Histórias de Mestres de Capoeira

Com a criação dessa medida, serão realizadas oficinas de história oral para capoeiristas interessados em registrar as trajetórias de vida de mestres antigos. O objetivo desse banco é dar suporte e integrar o Centro Nacional de Referências da Capoeira.

  • Realização do Inventário da Capoeira em Pernambuco

Existe a intenção de incentivar, auxiliar e aprofundar as pesquisas sobre a capoeira em Recife, com base nas referências indicadas durante o processo de inventário utilizado no pedido de registro




Capoeira agora é patrimônio cultural brasileiro


Correia da Bahia

A capoeira é o mais novo patrimônio cultural brasileiro. O registro foi votado e aprovado nesta terça-feira (15), em Salvador, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Estiveram presentes ao evento o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, o governador da Bahia, Jacques Wagner, o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, os embaixadores da Nigéria e do Senegal, além de autoridades locais.
O presidente do Iphan anunciou a inclusão do ofício dos mestres da capoeira no Livro dos Saberes, e da roda de capoeira no Livro das Formas de Expressão. A divulgação e implementação dessa atividade em mais de 150 países se deve aos mestres, que tiveram sua habilidade de ensino reconhecida.
Diversos grupos de capoeiristas e mestres de várias regiões do Brasil acompanharam a votação. Eles realizaram uma grande roda em frente ao Palácio Rio Branco, simbolizando o triunfo da manifestação, que já foi considerada prática criminosa no século passado (chegou a ser incluída no código penal da República Velha), e agora é reconhecida como patrimônio cultural.
Um grande evento em homenagem à capoeira foi realizado no Teatro Castro Alves, onde artistas como Naná Vasconcelos - percussionista que ampliou as possibilidades sonoras do berimbau -, Roberto Mendes, Mariene de Castro, Wilson Café e Ramiro Mussoto exaltaram a importância da manifestação.
O pedido de registro da capoeira foi uma iniciativa do Iphan e do Ministério da Cultura, e é resultado de uma ampla pesquisa realizada entre 2006 e 2007 para a produção de conhecimento e documentação sobre esse bem imaterial. Todo o levantamento foi sintetizado num dossiê final que compõe o processo de registro.
O inventário da capoeira foi produzido por uma equipe multidisciplinar de profissionais, em parceria com as Universidades Federais do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e a Federal Fluminense, sob a supervisão do Iphan. As pesquisas foram realizadas no Rio de Janeiro, em Salvador e Recife, principais cidades portuárias apontadas como prováveis origens desta manifestação, e locais onde havia documentação a respeito.
Preservação do patrimônio - O plano de preservação, conseqüente do registro, prevê as seguintes medidas de suporte à comunidade capoeirística: um plano de previdência especial para os velhos mestres; o estabelecimento de um programa de incentivo desta manifestação no mundo; a criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira; e o plano de manejo da biriba - madeira utilizada na fabricação do instrumento - e outros recursos naturais, dentre outras.
Entendem-se por patrimônio cultural imaterial representações da cultura brasileira as práticas, as formas de ver e pensar o mundo, as cerimônias (festejos e rituais religiosos), as danças, as músicas, as lendas e contos, a história, as brincadeiras e os modos de fazer (comidas, artesanato, etc.), junto com os instrumentos, objetos e lugares que lhes são associados - cuja tradição é transmitida de geração em geração pelas comunidades brasileiras. Com a inclusão da capoeira, já existem 14 bens culturais registrados no Brasil.

Agenda do combate ao racismo pós-Durban

29 DE JULHO DE 2008 - 19h30

por Edson França*

Nos dias 16 e 17 de junho de 2008, em Brasília, representantes da sociedade civil de 23 Estados da América (Canadá, Estados Unidos e México - América do Norte; Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá - América Central; Cuba, Grenada, Porto Rico, República Dominicana e Trinidad e Tobago - Caribe; Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Brasil – América do Sul) participaram da Conferência da Sociedade Civil das Américas – Preparatória à Revisão de Durban.


Durante as conferências reafirmou-se princípios importantes para compreensão do racismo. Um deles é entendê-lo como um flagelo humano. Sob esse entendimento questiona-se o exclusivismo do universalismo nas políticas sociais governamentais. Legítima intervenção focalizada, específica, emergencial e temporária, forma que deve ser enfrentado qualquer flagelo. Em outras palavras, é facultado ao Estado lançar mãos de política pública para corrigir o impacto negativo do racismo sobre suas vítimas, daí a legitimidade das cotas para acesso nas universidades e no mercado de trabalho, plano de saúde que atue sobre as especificidades da população negra, valorização cultural, dentre outros.

Outro princípio importante reafirmado é a compreensão a escravidão e o tráfico transatlântico são crimes lesa humanidade. Trata-se de algo de grande relevância para o enfrentamento do racismo, na medida que esse entendimento tem desdobramentos objetivos para o enfrentamento do racismo, crimes dessa natureza não prescrevem, assim sempre estará em pauta o debate da reparação, até que ela se efetive. O desafio é encontrar a melhor forma de desenvolver esse debate e ajustar as opiniões que estão sobre a mesa. A imprescritibilidade do crime permite que se estabeleça um debate rico e se chega a um denominador comum – especialmente entre os países africanos e a comunidade negra da diáspora. A cada dia fortalece a consciência dos povos de que aqueles que se beneficiaram com a escravidão e com o tráfico de carnes humanas (Estados e herdeiros da fortuna saqueada) têm uma dívida a ser resgatada.

A conferência avaliou brevemente o estágio da agenda dos Estados no enfrentamento do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas. Apesar dos múltiplos olhares que se apresentaram no evento, compreendo que, de modo geral, houve grande empenho e algumas vitórias. Destacadamente, a Bolívia elegeu Evo Morales, o primeiro índio a Presidência da República, vem realizando um governo popular e altivo, voltado à maioria da população, composta por índios. Por isso sofre duros ataques da elite branca divisionista que sempre esteve no poder. A Venezuela é outro exemplo a ser destacado, elegeu Hugo Chaves, um afro-indígena socialista, para Presidência da República, com isso, a Venezuela tem somado altos índices de melhora na qualidade de vida da população pobre, onde se encontram os negros, índios e não brancos. Esse governo também é alvo do ódio da elite branca venezuelana. A América Latina registra outras vitórias políticas com a ascensão de forças populares no poder (Nicarágua, Equador, Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil), são movimentos importantes porque o racismo se identifica com o conservadorismo, com as elites nababas no poder e com a falta de democracia.

Quanto ao comportamento do Brasil após a III Conferencia Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, realizada em 2001, em Durban, África do Sul, obteve grandes avanços, alguns fundamentais para contínua progressividade do combate ao racismo. Aliás, é reconhecidamente notória, na região, a superioridade brasileira no enfrentamento da agenda anti-racista, mas há graves insuficiências que depõe contra todos esforços envidados e contra a própria nação. Sobre os aspectos positivos da experiência brasileira após a Conferência de Durban, destacamos que:

• O Estado brasileiro formalmente reconheceu a existência do racismo e seus nefastos desdobramentos para população negra e indígena, superando um grave entrave para sua promoção social. Após décadas de explícita negação enterramos definitivamente o mito da democracia racial, que tanto atraso trouxe ao justo desenvolvimento sócio-econômico de negras, negros, índios e índias. É impossível propor remédio para curar doença inexistente.

• Intensificou a implantação no âmbito dos executivos municipais, estaduais e federal órgãos/instituições voltadas a elaboração e/ou implantação de políticas públicas para superar atrasos socais e econômicos causados pelo racismo na vida cotidiana de negros, negras e índios. Esses organismos na máquina estatal são instrumentos que devem ser valorizados, embora o alcance seja limitado, pois atuam contra o racismo institucional, fato que se aproxima das ações propostas pelo Plano de Ação de Durban. Um dos resultados imediatos que esses organismos possibilitaram foi o aumento quantitativo e melhora qualitativa das políticas anti-racistas (desenvolvimento conceitual e conquista de maior legitimidade).

• Os partidos políticos, sindicatos e várias instituições da sociedade civil desenvolveram mecanismos administrativos para responder organicamente as demandas anti-racistas. Embora a pauta contra o racismo é um tema marginal, o núcleo dirigente partidário se manifesta quando provocado por fato social de grande relevância, comoção social ou quando pressionado pela militância. Muitos ainda subestimam a relevância dessa temática para o desenvolvimento da nossa democracia.

• Governos e sociedade civil envidaram esforços para democratizar a educação: influenciando o currículo escolar através das múltiplas iniciativas do movimento negro brasileiro; da intensificação de pesquisas no campo das relações raciais; da implantação da lei 10.639/03, hoje, 11.659/08; implantação de diversas modalidades de ações afirmativas em 48 universidades públicas, somada ao PRO-UNE tem contribuído para progressiva mudança da cara e de rumos das universidades brasileiras. A intensificação desse processo garantirá para as próximas gerações a democratização do saber e compartilharão a direção do Brasil.

• O Decreto Presidencial 4887/03 e o Programa Brasil Quilombola destacam-se como mais um expressivo acerto da política social brasileira pós-Durban. Um dado importante para compreender essas iniciativas é o engajamento do latifúndio, agronegócio, Partido dos Democratas - DEM e da bancada ruralista no Congresso Nacional para derrubar o decreto, deslegitimar a luta quilombola e negar direitos históricos constitucionalmente conquistados. Os poderosos estão ameaçados.

A ascensão das forças progressistas ao poder foi fundamental para o avanço referido, pois permitiu novo direcionamento nas prioridades nacionais e maior qualificação do padrão das políticas sociais. Resultando numa exitosa experiência de combate a pobreza. Fato que beneficiou diretamente a massa negra, indígena e não branca marginalizada. De modo que o processo eleitoral em voga definirá a continuidade do projeto em curso e seu futuro aprofundamento. Segundo o Plano de Ação de Durban, o combate a pobreza é uma necessidade imperiosa, pois uma conseqüência imediata do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e intolerâncias correlatas é a marginalização social e material de suas vítimas.

A despeito de todo sucesso, há graus diferenciados de fragilidades na promoção da equidade racial, devido os sucessivos ataques dos setores reacionários, da cultura exclusivamente universalista da máquina e dos gestores públicos, pela ainda débil convicção de setores dos governos progressistas e pela insistência do racismo e do mito da democracia racial no Brasil. Em razão disso são ainda grandes os desafios. A segurança pública se constitui no “calcanhar de Aquiles” para o efetivo gozo da cidadania. A população negra é o principal alvo das armas de fogo que encontramos nas mãos da polícia, da segurança privada e do crime, matam especialmente a juventude.

Pode ser considerada a fase mais explícita do triunfo do racismo na atualidade. Sua forma mais pura, sem máscara. Na palavra do Professor cubano Carlos Moore, “o racismo manifesto como a última fronteira do ódio”. Promovendo o extermínio físico, a barbárie, negando o universalmente consagrado direito a vida. O Brasil está devendo (e muito) implementação de políticas que assegure, de fato, os direitos humanos das populações pobres e negras. Mais ainda, sua incompetência nesse campo denuncia que continua em curso o projeto genocída e racista gestado pela elite brasileira. Expresso no sistema carcerário, no despreparo das polícias, na existência da pena de morte sem julgamento ou direito a defesa (perpretada e legitimada pelo Estado, que primeiro atira), na negação da justiça aos pobres, na sobrevivência e fortalecimento do crime organizado, na leniência com o crime do colarinho branco(como a infeliz interferência do Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, libertando duas vezes um banqueiro suspeito de crimes, nos indicou para onde se dirige os olhos das instituições que tem como princípio garantir o Estado de Direito), na impunidade e na falta de perspectiva da juventude.

O Brasil está sob uma guerra civil silenciosamente decretada e os jovens negros são assassinados indiscriminadamente todos os dias. A violência praticada no Brasil é um caso de calamidade pública, sua normalização só é possível porque somos uma sociedade construída sob a égide do racismo, ainda somos atingidos com força por esse flagelo. A esquerda brasileira tem que priorizar esse tema, não pode ficar nas mãos da direita demagoga que propõe somente medidas repressivas como criminalização dos movimentos sociais, redução da idade penal, aumento das penas, pena de morte, cadeia, cadeia e cadeia. Não há possibilidade de um país que nega um direito tão elementar (a vida) oferecer esperança, segurança, orgulho e dignidade a seu povo.

As eleições municipais jogam um papel fundamental no destino das políticas anti-racistas. É fundamental fortalecer o campo progressista, para que o Brasil dê o passo seguinte. Há que se superar as insuficiências e os desafios, ou, sob a vitória dos partidos conservadores comprometer a agenda social do movimento negro. O Brasil precisa reparar as injustiças que historicamente submete seu povo. Ampliar alcance do estado para chegar mais perto dos pobres, adquirir maior efetividade nas políticas sociais e capacidade de melhorar a qualidade de vida daqueles que ficam a margem das benesses e conquistas materiais socialmente produzidas. As forças burguesas não têm capacidade e não deve gozar da confiança do movimento negro para cumprir essa tarefa.

Educação ou Camburão?


Escrito por Eliane Silva Pinto

Nação Hip Hop Brasil/SP convoca todos para o lançamento oficial
da campanha "Educação ou Camburão?", no dia 14 de julho
na Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo

Escolha a melhor alternativa para os jovens brasileiros. Para os descrentes, o Camburão seria o mais sensato, afinal como permitir um jovem roubar, assaltar e até matar? O Camburão e posteriormente anos de cadeia seria o castigo “merecido”. Porém para outros o melhor “remédio” para evitar essas atitudes é uma boa educação para a juventude brasileira. Pensando assim, a Nação Hip Hop Brasil/SP lançará uma campanha em todo o estado, intitulada, justamente com a pergunta, “Educação ou Camburão?”.

Oráculo, presidente da Nação, explica como surgiu a idéia da campanha: “A Nação existe há três anos, e nesse tempo percorremos muitas cidades, visitamos as periferias, conversamos com moradores, e infelizmente, uma coisa que todas têm em comum é a violência. O índice de homicídios cresce a cada dia, sem contar a violência contra a mulher, a violência social, de todas as formas e tipos, ela está presente no cotidiano dos jovens das periferias. A única forma de combater isso, imposta pelo sistema, é o Camburão, inibindo moradores, e muitas vezes, gerando ainda mais violência.”
Contrários a esse “método” adotado, a Nação Hip Hop Brasil/SP resolveu discutir essa questão com a juventude, as comunidades carentes, entidades, instituições e o poder público. Para Oráculo, a educação e o trabalho precisa ser o “senso comum” das quebradas, e não a violência, o camburão e a prisão.

A campanha terá seu lançamento oficial na cidade de São Paulo na Secretaria de Justiça do Estado, no dia 14 de julho, a partir das 19 horas.

“Educação ou Camburão?” percorrerá mais de vinte cidades, o tema violência será amplamente discutido. “Em cada cidade, vamos promover além dos debates, atividades culturais, para reafirmar que é há sim, outras maneiras combater a violência, e a cultura é uma delas”.

Além de debater o assunto nas comunidades carentes, onde a violência prevalece, esse debate também será levado para dentro de instituições de ensino como escolas e universidades, segundo Oráculo, já está no cronograma, a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do ABC (UFABC), Centro Universitário Metropolitano de São Paulo (Unifig) em Guarulhos, Universidade Católica de Santos (Unisantos) e Universidade Federal de Osasco.

Para o encerramento da campanha, em novembro, será realizado uma audiência pública com o Secretário Estadual de Segurança Pública e Educação, as demais autoridades governamentais, os movimentos sociais e as entidades parceiras para apresentação do documentário da campanha e documento com as propostas apresentadas nos debates.

“Educação ou Camburão” é uma campanha organizada pela Nação Hip Hop Brasil do estado de São Paulo com o apoio da União Estadual dos Estudantes (UEE/SP), União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES), União Nacional dos Estudantes (UNE), Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Correios da cidade de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) da capital paulista, Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo e Instituto Cidadania Democrática.

A campanha passará pelas seguintes cidades: São Paulo, Guarulhos, Santo André, Santos, Campinas, Osasco, Ribeirão Preto, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Araraquara, Sorocaba, Rio Claro, Marília, Hortolândia, Ribeirão Pires, Francisco Morato, Suzano, Itapevi, São Carlos, Piracicaba, Jundiaí, Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, Poá, Diadema e Barueri.

Carta Che Guevara


Somos a juventude que se indigna contra qualquer injustiça cometida em qualquer parte do planeta. E vivemos uma época onde as injustiças são tantas que é preciso mudar o mundo. O capitalismo massacra a nossa juventude e povo e destrói a natureza: a barbárie capitalista, a guerra, a exploração e o consumismo são as maiores razões de infelicidade e ameaçam a própria vida na Terra. Por isto tudo, e graças às lutas dos que nos antecederam, assumimos para nós o desafio que a História nos legou: s omos a geração das mudanças no Brasil.


Filhos(as) das lutas contra a Ditadura e da resistência ao neoliberalismo, a maioria de nós ingressou na luta política após a vitória das forças progressistas com a eleição de Lula - um período de maior democracia e de conquistas do povo brasileiro, conquistas que defendemos e aprofundaremos. Abraçamos com honra a oportunidade que nos foi dada pela História de sermos a geração a enterrar definitivamente o neoliberalismo neste país continente. Com a nossa militância diária, pelo nosso amor ao Brasil e ao povo, por todas as vítimas do capitalismo, assumimos nosso posto de combate na luta da Nação para que a triste noite neoliberal jamais volte a dominar nosso país.

Nossa luta é um importante capítulo da que o povo trava em todo o mundo, milhões de jovens como nós que se levantam contra o imperialismo e suas guerras. Em especial na América Latina, temos vencido a direita neoliberal e, numa incrível sintonia, Brasil, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Nicarágua, Equador, Argentina e a indomável Cuba reescrevem os sonhos de Simón Bolívar, José Martí, José Bonifácio e Che Guevara de libertar Nossa América da dominação das grandes potências. E é com a rebeldia destes próceres que alertamos às forças imperialistas que a América Latina não é quintal de ninguém. Defenderemos unidos a nossa soberania e a nossa Amazônia. E a forma mais concreta desta defesa é avançar na integração latino-americana que está ao alcance de nossas mãos.

Para concretizar tamanhos objetivos, esta nova geração de militantes da UJS é chamada a iniciar uma nova fase, ao consolidar os êxitos do relançamento. A UJS caminha a passos largos para uma maior consolidação orgânica, o enraizamento de seu trabalho através dos núcleos e direções municipais e estaduais, a diversificação, com o fortalecimento das frentes, o avanço no movimento estudantil e uma maior atenção ao movimento secundarista, o impulso na organização da juventude trabalhadora, a luta contra quaisquer formas de opressão e discriminação. O Brasil é um país imenso e complexo e é necessária uma tática complexa e ousada que uma todos aqueles que defendem o Brasil para que possamos definitivamente romper as cadeias da especulação financeira que ainda nos limitam.

Isto só se fará com o protagonismo político da juventude brasileira e a nossa disposição em unir todas as juventudes que lutam para derrotar o neoliberalismo. Para isto precisamos construir uma UJS ainda maior, mais influente, diversificada, de massas, uma UJS que fale para toda juventude brasileira.

Somos a escola do Socialismo. E, como aprendemos com o Che, "devemos ser a vanguarda de todos os movimentos, os primeiros a estar dispostos para os sacrifícios que a revolução demande , qualquer que seja a sua natureza: os primeiros no trabalho, os primeiros no estudo, os primeiros na defesa do país . E para isto temos que nos colocar tarefas reais e concretas , tarefas que são do trabalho cotidiano que não podem admitir o menor vacilo ". Estas lições aprenderemos juntos na UJS, fortalecendo a capacidade de transmitir a nossa militância e a toda a juventude os valores e a tecnologia social que desenvolvemos ao construir esta que é a maior organização juvenil socialista do Brasil.

A consolidação deste amplo movimento com a cara do Brasil atinge um novo patamar com nossos 130 mil filiados que falarão para toda a juventude brasileira, traduzindo através de múltiplas linguagens a mesma mensagem socialista. O Brasil contribuirá de maneira decisiva para construir um futuro de paz e solidariedade, de dignidade para todos(as), superando as trevas do capitalismo.

Todo revolucionário(a) é movido(a) por grandes sentimentos de amor, como nos ensinou Ernesto Che Guevara, cujo nascimento, há oitenta anos celebramos dando a este congresso o seu nome, incorporando sua imagem ao nosso símbolo, seguindo sua mensagem emancipadora. Nele nos inspiramos para dizer em alto e bom som: nosso presente é de luta e o futuro nos pertence!


Hasta la victória, sempre!

São Paulo, 15 de junho de 2008.

14° Congresso Nacional da UJS