terça-feira, 8 de maio de 2012

sábado, 28 de abril de 2012

Pleno - Julgamento da ADPF 186 sobre a política de cotas na UnB (7/10) STF I


Movimento negro comemora legalização de cotas nas universidades

26 de Abril de 2012 - 18h42



A decisão desta quinta-feira (26), do Supremo Tribunal Federal (STF), entrará para a história do movimento negro no país, que comemora a votação favorável à legalização do sistema de cotas raciais nas universidades públicas. "É uma vitória do movimento negro. Temos feito um debate de ações afirmativas. Essa luta especificamente travamos desde 2003, com a implantação das cotas em várias universidades", afirmou Edson França, presidente da Unegro.

A União de Negros pela Igualdade (Unegro) acrescenta que as cotas raciais só se tornaram realidade por conta da unificação do movimento em torno de pautas importantes para a igualdade racial e combate à discriminação. 

"Temos um debate consensual e por conta disso conseguimos aprovar as cotas raciais em várias universidades. O DEM (Partido dos Democratas) entrou com essa ação mostrando mais uma vez ser um partido dos senhores de engenho", completou o presidente da Unegro.

Edson França se refere a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), de autoria do Democratas (DEM), contra a Universidade de Brasília (UnB), que reserva 20% das vagas do vestibular para estudantes negros e que foi julgada ontem e hoje. A instituição é pioneira nas cotas raciais. O argumento do partido, defendido principalmente pelo senador Demóstenes Torres, mergulhado em um escândalo de corrupção, era de que as cotas raciais ferem o princípio da igualdade.

O Supremo também julgou um Recurso Extraordinário (RE 597285) movido por um estudante gaúcho que foi eliminado do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele obteve notas superiores às dos cotistas e contestou sua eliminação, já que a UFRGS reserva 30% das vagas para quem estudou na rede pública – metade destinada aos candidatos que se declararem negros na inscrição.

O relator das duas ações, o ministro Ricardo Lewandowski, já havia proferido na quarta-feira (25) seu voto favorável à constitucionalidade das cotas raciais.

“Não basta não discriminar. É preciso viabilizar. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. É necessária que esta seja a posição adotada pelos nossos legisladores. A neutralidade estatal mostrou-se, nesses anos, um grande fracasso”, justificou Lewandowski.

Nesta quinta, os ministros Luiz Fux, Rosa Maria Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Gilmar Mendes acompanharam o voto de Lewandowski, formando a maioria. Eram necessários seis votos favoráveis. Até o fechamento da matéria, mais três ministros ainda faltavam dar seus votos para o encerramento da sessão.

Fux reforçou, em seu voto, que a raça pode e deve ser critério político de análise para ingresso na universidade, como acontece em outros países.

“A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados”, ponderou Fux.

Por dar mais oportunidades de acesso à universidade e equilibrar as oportunidades sociais, a ministra Rosa Weber engrossou a votação do "sim" às cotas: “Se os negros não chegam à universidade, não compartilham a igualdade de condições com os brancos”. Para ela, quando o negro se tornar visível na sociedade, “política compensatória alguma será necessária”.

Já a ministra Cármen Lúcia lembrou que essa não é a melhor opção, mas que políticas compensatórias contribuem na busca pela igualdade.

“As ações afirmativas não são as melhores opções. A melhor opção é ter uma sociedade na qual todo mundo seja livre para ser o que quiser. Isso é uma etapa, um processo, uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente.”

 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Deborah Duprat pede improcedência de ação contra o Decreto 4887/2003

quinta-feira, 19 / abril / 2012

Em julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira, 18 de abril, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, pediu a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3239) contra o Decreto 4887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68 do ADCT.
Deborah Duprat explicou que o Ministério Público Federal (MPF), no final da década de 80 e início da década de 90, já se viu às voltas com demandas tendo por base o artigo 68 do ADCT, que suscitou um certo estranhamento por não ser muito límpido. De acordo com ela, foi preciso verificar a realidade empírica que deu ensejo a este artigo no processo constituinte e, por outro lado, também situá-lo no âmbito dessa Constituição tão emancipadora.
Em relação a antropologia, conforme esclareceu, descobriu-se estudos do início da década de 80 falando de comunidades que estavam localizadas em todo o país tendo como características comuns: a relação transcendental com a terra; ocupação coletiva da terra e do uso dos seus recursos naturais; comunidades com modo de vida, história, memória, mitos, forma de expressão próprios que os distinguia dessa sociedade de grande formato e de outros grupos existentes no país; além de um passado e uma memória ligados à opressão e à escravidão. Em relação à militância, ela disse que a sociedade maranhense de direitos humanos organizou um vasto material mostrando a luta dessas comunidades ao longo do tempo tentando ter direitos territoriais sobre as áreas que ocupavam.
Para Deborah Duprat, essa realidade estava desconhecida porque a ideia-força do Estado nacional no período constitucional pretérito era o da absoluta homogeneidade. “E tínhamos um direito que homologava esse modelo do Estado, um direito que desqualificava as diferenças e procurava neutralizá-las, ou assimilando-as na sociedade de grande formato ou, por outra lado, tornando-as invisíveis”, declarou. Ela perguntou como situar essa questão na Constituição de 1988 lembrando que essa Constituição faz parte de um movimento de caráter emancipatório que rompe com o paradigma da igualdade meramente formal, buscando uma igualdade material.
Ela afirmou ainda que as Constituições mundo afora também estavam antenadas com o direito internacional que se produziu nesse período, citando a Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determinava que os Estados promovessem medidas de assimilação gradativa dos indígenas à sociedade nacional, revogada pela Convenção 169, que não trata só de povos indígenas, mas de povos tribais. Para ela, esta convenção trouxe uma definição bastante interessante: povos tribais são aqueles cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, que tenham domínio pleno da suas vidas e que os Estados assegurem espaços para que eles existam, donos e senhores dos seus destinos.Por outro lado, Deborah Duprat destacou que a Constituição Federal, apesar de ter como eixo central o princípio da dignidade da pessoa humana, não mais considera o homem atomizado, isolado em si, mas situado, com suas conexões, pertencimentos, ligado a grupos que dão sentido à sua existência e a si próprio, que definem a sua própria identidade. “Mais importante pra questão que ora interessa: na sessão relativa à cultura, ela tem dois dispositivos que tratam desse aspecto étnico-cultural, reconhecendo que a sociedade brasileira é formada por grupos que se organizam em formas próprias de viver, pensar e fazer e formas próprias de expressão”, disse. Segundo a vice-PGR, o artigo 68 tem que ser visto não com uma visão para o passado, com uma visão indenizatória, mas com uma visão prospectiva, da sociedade a ser construída, multicultural, pluriétnica, com grupos atuais, para os quais é preciso assegurar garantia e permanência.
Questões postas na ADI – Sobre o efeito repristinatório, ela disse que alega-se um vício formal porque seria um decreto autônomo. “Se por ventura declarada a inconstitucionalidade, subsistiria o decreto anterior, 3239, que trata exatamente do mesmo tema e ostentando o mesmo vício que ora se invoca”, disse. Conforme explicou, é vasta a jurisprudência do STF sobre a inutilidade da declaração de inconstitucionalidade nessa hipótese.
A respeito de ser um decreto autônomo, Deborah Duprat afirmou que o STF vem entendendo ser legítima a atividade administrativa recolher seu fundamento de validade diretamente da Constituição, principalmente em caso de dispositivo que veicula norma de direito fundamental, como acontece com esse artigo 68. Para ela, também a moderna teoria do direito administrativo é pacífica em relação a essa relativização do princípio da legalidade a informar a atividade administrativa.
Admitindo que seja ato normativo de natureza secundária, ela disse que neste caso também não se prestaria a ADI. E chamou atenção para dois diplomas que estaria regulamentando: a Convenção 169 da OIT e o Pacto de San José da Costa Rica, porque garante o direito de propriedade e a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem reconhecendo que esse direito se estende ao reconhecimento da propriedade comunal. Sobre a Convenção da OIT, ela disse que haveria dificuldade porque a jurisprudência entende que a incorporação de tratados internacionais ao direito interno só se dá com a promulgação pelo presidente da República mas que o STF pode rever esse entendimento, principalmente em tratados que veiculem normas de direito fundamental.
Em relação à desapropriação, ela disse que o decreto não cria nenhuma forma nova de desapropriação, mas concordou com o autor da ação que esse dispositivo de fato é o reconhecimento de um direito pré-existente. Para ela, é possível dar uma interpretação conforme a Constituição porque o reconhecimento dessas áreas é um ônus e um bônus de toda a sociedade brasileira. “Interessa a toda a sociedade que tenhamos esses grupos formando parte dessa diversidade cultural e étnica que nos caracteriza, portanto, não é razoável que um único proprietário pague pelo ônus dessa afirmação, é preciso uma indenização justa, ampla, nos moldes em que se dá, por exemplo, uma desapropriação indireta”, declarou. Sobre a referência à ausência de necessidade de desapropriação pelo fato de essas comunidades estarem há 100 anos nessas áreas, contando a abolição da escravatura e a Constituição de 1988, para ela seria um usucapião discriminatório, porque o máximo que há de prazo para o usucapião no direito brasileiro é de 15 anos. Depois, conforme explicou, é desconhecer o processo dito civilizatório que provocou o deslocamento permanente dessas comunidades. Para ela, reclama-se das definições das próprias comunidades a respeito desse território, mas elas não estão definindo território, é um processo que parte da forma de ocupação desse território. “Aqui não há espaço para antecipações a respeito de acomodações constitucionais; como se dá com todo e qualquer direito fundamental, ele vai ser passível de relativização, eventualmente, em face de casos concretos”, sustentou.
Por fim, ela disse que a autoidentificação é um imperativo categórico de uma sociedade plural, pois nenhum grupo étnico, numa sociedade plural, tem o domínio das definições. “É preciso aceitarmos que cada grupo tenha a possibilidade de dizer quem é, temos que aprender a conviver numa sociedade plural onde as definições não fazem parte apenas de um único grupo”, disse. Além disso, para ela, o decreto foi além e permitiu critérios objetivos que permitissem a identificação desse grupo.

Fonte: Secretaria de Comunicação Procuradoria Geral da República (61) 3105-6404/6408

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O racismo é uma chaga, como ficou demonstrado por dois acontecimentos dos últimos dias.

Por José Carlos Ruy

No mais cruel deles, um extremista de direita norueguês, que não merece ter seu nome mencionado, matou 76 pessoas em Oslo para, como admitiu, iniciar uma guerra racial “em defesa da Europa”. Ele se apresenta como antimuçulmano, odeia negros, árabes e migrantes, e quer a supremacia branca sobre o mundo, portando-se como uma espécie de “cruzado” em pleno século 21.O outro acontecimento envolve as manifestações racistas postadas na internet contra a nova Miss Itália Nel Mondo 2011, a brasileira Silvia Novais. Ele não é tão sanguinolento mas está na raiz de comportamentos criminosos como este do atirador direitista de Oslo; Seus autores são direitistas europeus partidários da supremacia branca e, como não podia deixar de ser, de Adolf Hitler. E que, como o criminoso de Oslo, não suportam negros, árabes, judeus, imigrantes e outros seres humanos que não partilham suas origens étnicas, seus preconceitos e seus interesses.
Para nós, brasileiros, estes acontecimentos não podem ser encarados como realizações de “desequilibrados mentais”, como usualmente se pensa e difunde. Ao contrário, eles dizem respeito diretamente a nós e à nossa identidade como brasileiros – como demonstra, sobejamente, a agressão contra Sílvia Novais. Somos os habitantes de um país encarado pelos supremacistas eurocêntricos como racialmente inferior que, nas condições atuais do mundo, faz parte do conjunto de nações que ameaça o predomínio do “Ocidente” – isto é, de países como Estados Unidos ou daqueles que formam a União Europeia.
Isso num momento em que os brasileiros estão acertando as contas com sua própria identidade, como revelam os resultados divulgados dia 22 da “Pesquisa das Características Etnorraciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” feita pelo IBGE em 2008, em 15 mil residências no Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Ela mostrou que metade dos brasileiros se consideram “brancos” (50,3% do total, incluindo minorias que se declaram alemães, italianos ou “claros”),ao lado de outra metade (48,4%) que se autoclassificou em identidades não-brancas, como morenos, pardos, negros, pretos, índios, amarelos e outras variedades de tonalidade da pele. Está para lá de demonstrado que não existem raças entre os seres humanos, e muito menos uma hierarquia que possa distinguir segmentos superiores e inferiores com base na cor da pele ou de origens étnicas. O trauma terrível provocado pelas práticas nazistas esteve na base da condenação e desmoralização, inclusive pela ciência, dos preconceitos que levaram ao assassinato em massa de pessoas de origens diferentes durante o governo dirigido por Adolf Hitler. Preconceitos que ainda persistem entre extremistas de direita não apenas na Europa, mas espalhados pelo mundo e também entre nós, brasileiros. A história do racismo brasileiro é a crônica de uma infâmia que cresceu durante o longo passado escravista e se fortaleceu depois de 1888 e da abolição da escravidão.
Os supremacistas brancos tupiniquins chegaram a tentar marcar uma data para a eliminação final do sangue negro entre nós; alguns pensaram que isso ocorreria em algumas décadas; outros acharam que levaria alguns séculos. Um deles, João Batista de Lacerda, que era diretor do Museu Nacional, sustentou no I Congresso Internacional de Raças, realizado em Londres, em 1911, que em um século a população brasileira teria se livrado dos vestígios negros e seria racialmente branca. A base dessa verdadeira alucinação era a crença vigente de que enquanto sua população fosse formada majoritariamente por negros e mestiços, o Brasil seria incapaz de se civilizar pois esta seria, segundo o racismo imperante, uma prerrogativa de povos brancos e europeus.
Aqueles cem anos se passaram e o “embranquecimento” da população não aconteceu; ao contrário, o que predomina no Brasil são os mestiços de pele morena, indicando uma notável contribuição brasileira para a civilização: a mistura de povos de origens diferentes, que vai constituindo a humanidade do futuro e fundamentando uma civilização que, fortemente influenciada pela Europa, não renega mas incorpora as demais matrizes igualmente fortes e fecundas, formadas pelos povos indígenas e africanos.Esta é uma das constatações da pesquisa divulgada pelo IBGE e que confirma o que os especialistas já sabiam sobre nosso povo. Mas o quadro está longe do colorido róseo imaginado pelos conservadores brasileiros segundo os quais aqui existiria uma “democracia racial” baseada na tolerância e na mestiçagem. Todos sabemos, no fundo de nossas convicções, que este quadro não é verdadeiro e que o racismo continua sendo uma chaga cotidiana, apesar dos avanços das últimas décadas que resultaram das lutas do movimento negro e dos setores democráticos e avançados do país que também assumem como sua a resistência contra o racismo.Neste sentido, os resultados da pesquisa são unívocos. Quase dois terços (63,7%) das pessoas entrevistadas (de todos os matizes de pele) reconhece os efeitos do preconceito no dia a dia dos brasileiros. Estes efeitos se manifestam no trabalho (71%), nas relações com a justiça ou a polícia (68,3%), no convívio social (65%), na escola (59,3%), nas repartições públicas 51,3%) e por aí vai. É um escândalo que precisa ser combatido. É o ovo da serpente do racismo que recusa a convivência com a diferença e pode matar, como já ocorreu no passado e repetiu-se em Oslo na sexta-feira.
O racismo brasileiro não é pior nem melhor do que qualquer outra forma de tentar afirmar a superioridade de uma parte da população sobre outra com base na cor da pele ou na origem étnica. Ele é apenas diferente e tão cruel quanto qualquer outro, apesar das particularidades que o distinguem dos demais racismos. Mata e mutila da mesma maneira quanto os demais, com a diferença de que, por aqui, seus efeitos nocivos são disfarçados e não explícitos, como ocorre em outros lugares – basta examinar a estatística de assassinatos ou de mortos pela polícia para se ter uma ideia da dimensão da letalidade do racismo brasileiro.
Uma convivência mais amigável entre os “diferentes” pode ser uma grande contribuição brasileira para a civilização. Mas ela só será efetiva quando nós, brasileiros, conseguirmos superar o racismo que permanece entre nós. E esta será, tenho certeza, uma conquista civilizatória de nosso povo em benefício da humanidade e também das relações humanas dentro de nossas fronteiras.