por Edson França*
No dia 20 de fevereiro, em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, o Deputado Federal Edson Santos (PT/RJ) foi empossado Ministro da Igualdade Racial. Após 19 dias do pedido de demissão de Matilde Ribeiro, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial tem um titular que pode, evitando agressivas descontinuidades, liderar um novo rumo ao órgão, para que ele cumpra com um dos objetivos propagados pelo Presidente Lula durante o evento: “as secretarias especiais (mulheres, igualdade racial, pesca, direitos humanos) são nada mais, nada menos do que um instrumento que da voz e vez aos movimentos sociais na Republica Federativa do Brasil”.
A forte presença de altas autoridades da República na posse: Presidentes da Câmara e do Senado, Governador do Rio de Janeiro, ministros, senadores, deputados e a presença de lideranças do movimento negro de vários estados evidenciaram que o Ministro Edson Santos assume a Seppir com muito prestígio.
Somado ao manifesto apoio político recebido, o Ministro Edson Santos reúne condições políticas favoráveis para conduzir um processo de fortalecimento institucional da Secretaria e da política de promoção da igualdade social entre negros e brancos. Acumulou em várias décadas de vida pública a experiência necessária. Foi vereador do Rio de Janeiro durante quatro mandatos, onde presidiu importantes comissões, propôs e aprovou leis de relevância à população carioca; recebeu expressiva votação quando candidato ao Senado e foi o deputado federal do PT mais agraciado nas urnas na última eleição. Está a altura das responsabilidades que exige o debate racial com a nação. Tempos alvissareiros podem se aproximar da agenda do movimento negro brasileiro.
Porém há obstáculos políticos que exigirão coragem, paciência e perseverança revolucionária do novo Ministro. Além da reação racista dos inimigos confessos - mídia, elite econômica, seus representantes no parlamento e entranhados nas máquinas do Estado - Edson Santos terá que enfrentar a frágil compreensão de Lula e parte de seu governo sobre o lugar que ocupa o combate ao racismo na construção de um Brasil socialmente justo. Faço a crítica compreendendo que o governo Lula está em disputa, comporta ambigüidades e contradições, não obstante estou convicto de que é nos marcos desse governo que as questões colocadas pelo movimento negro têm maiores possibilidades de serem bem sucedidas e com avaliação positiva das políticas de promoção da igualdade racial - se comparadas a governos anteriores.
O improvisado e paternal discurso de Lula durante a posse preocupa em alguns aspectos: a despeito dos duros ataques que a Seppir e as políticas de promoção da igualdade racial vem recebendo, Lula não apresentou nenhuma medida com objetivo de avançar progressivamente o combate das desigualdades e sinalizar sua convicção no caminho que seu governo adotou.
Lula disse: “Faço esse apelo em nome da companheira Matilde, que sai do governo sem ter cometido nenhum crime... não cometeu nenhum delito”. No entanto, ela não recebeu nenhum apoio e nenhuma solidariedade no período da crise. Solitariamente pediu demissão. Diante do isolamento que a Ministra foi jogada, da afirmação de sua inocência pelo Presidente Lula, é possível dizer que faltou disposição para reagir a um agressivo ataque da mídia, cujo verdadeiro alvo era a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e toda política que venha para atender a demanda racial. O Governo resolveu sacrificar a representante da parte mais frágil e dispensável de seu ministério: a Ministra da Igualdade Racial. Coincidentemente uma mulher negra, tal qual Tiradentes, foi a única enforcada em razão de um suposto erro administrativo quase generalizado no Planalto.
Lula disse que tinha encaminhado uma medida provisória transformando a Seppir em Ministério, quando na verdade deu ao novo titular da pasta o cargo de ministro, pois um deputado ao assumir uma Secretaria de Estado, a lei obriga que renuncie ao mandato. A instituição continuou com a mesma estrutura e prerrogativa. Um equívoco tão inusitado deixa-nos a impressão de que o Presidente não leu a MP que enviou ao Congresso, dada a irrelevância da matéria.
No pronunciamento, Lula reitera o que disse em 20 de novembro do ano passado: que o movimento negro é profundamente dividido, não se entende, só briga entre si. Trata-se de um posicionamento preocupante, pois estigmatiza e desqualifica um segmento político social que busca representar 49% da população brasileira, atribui aos negros e não ao racismo enraizado na sociedade brasileira a responsabilidade exclusiva dos sofrimentos e desvantagens socioeconômicas ocasionadas pelos efeitos do racismo. Lula disse que “... eu fazia um apelo a todas correntes pertencentes ao movimento negro brasileiro, a todas: enquanto vocês não se puserem de acordo e tiverem uma única proposta dentro do Congresso Nacional, esse Estatuto (da Igualdade Racial) não será votado.... Então, eu queria que vocês unificassem uma única proposta, para que a gente tivesse esse Estatuto aprovado pelo Congresso Nacional”. Há incontáveis problemas nessa fala, lamento que venha de um chefe de Estado com a experiência de militância popular de Lula.
O Presidente se compromete a atuar para aprovação do Estatuto da Igualdade Racial caso o movimento negro faça algo que os seres humanos não fazem. Correto seria Lula exigir maioria legítima, qualificada, sólida para aprovação de um projeto polêmico como o Estatuto da Igualdade Racial. Não há pensamento único em eleição que conduz o Presidente da República, não há pensamento único em seu governo, não há pensamento único em seu partido, não há pensamento único em seu sindicato, assim como não há pensamento único no Congresso, no judiciário e em nenhum segmento ou instituição política, religiosa, social. É próprio da democracia a pluralidade. Somente com alto grau de perversidade é possível exigir pensamento único em espaços humanos que comportam ao mesmo tempo diversos interesses políticos, pluralismo de correntes de pensamento ideológico, de partidos políticos e projetos, diversidade religiosa, cultural e regional como o movimento negro. Hitler e Mussolini conseguiram essa façanha em seus países.
O Estatuto da Igualdade Racial tem apoio da maioria do movimento negro brasileiro, não há uma organização que tenha se expressado contrário à aprovação do Estatuto - embora raríssimas lideranças tenham falado contra. Em 2005, de fato, o Governo estava discutindo sua aprovação, na ocasião discutia-se o financiamento da Lei. Quem barrou o processo de negociação e conseqüentemente o Estatuto, foi o ataque de Ali Kamel da Rede Globo, Yvonne Maggi e os intelectuais que ela galvanizou, a direita conservadora através do PSDB e DEM, liderados pelo ex-deputado Alberto Goldman. Juntos provocaram o recuo do Governo – tal qual a PL das cotas que contava com o apoio de Lula no processo eleitoral em 2002. Atribuir responsabilidade ao Movimento Negro pelos 11 anos de tramitação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso é errado. Nós negros e negras militantes do Movimento Negro não podemos ouvir resignados falas que criam dificuldades para a luta contra o racismo no Brasil, venham de onde vier.
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