Foi instituída no dia 12 de março de 2008, na Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial destinada a elaborar um parecer sobre o PL nº 6264/05 que institui o Estatuto da Igualdade Racial. No ano que completa 120 anos de abolição inacabada é necessário que a sociedade brasileira reflita, proponha e coloque em prática políticas públicas que resgatam a grande dívida social que a nação tem com metade da população brasileira.
Contraída em 388 anos de escravidão, na política de branqueamento implementada pelo Estado Imperial e durante a República Velha, na histórica violência policial dirigida, prioritariamente, sobre a juventude negra, na perene marginalização que jogou negras e negros na base da pirâmide social e econômica.
O justo movimento protelatório instituído pelo Deputado Arlindo Chinaglia através da Comissão Especial aponta para algumas evidências que não podemos fugir: se o PL nº 6264/05 fosse encaminhado direto ao Plenário da Câmara dos Deputados a votação, seus defensores seriam derrotados, a correlação de forças na Câmara desfavorece sua aprovação, as posições contrárias e vacilantes são majoritárias; o apoio social recebido carece de consistência, por isso é insuficiente para dobrar as convicções dos parlamentares; há sólidas forças que compreendem que a promoção da igualdade racial deve ser objeto de políticas de governos e não de Estado, pois assim investem segundo conveniências conjunturais; há, também, sólidas forças políticas que inspiradas no mito da democracia racial rejeitam qualquer proposta de natureza racial.
O governo federal não está convencido de que essa proposta seja boa para o país, Lula deixou subtendido em dois discursos, em 20 de novembro quando disponibilizou dois bilhões para ser investido nas comunidades quilombolas num ato com a Seppir em Brasília e em 20 de fevereiro, também em Brasília, na posse do Ministro da Igualdade Racial Edson Santos. Disse que “... enquanto o movimento negro não tiver uma única proposta sobre o Estatuto ele não será aprovado no Congresso”, ou seja, não basta obter maioria, tem que ter unanimidade. Por isso não investiu na aprovação do Projeto de Lei. O momento que efetivamente o governo a discutiu teve objetivo exclusivo de retirar o artigo que instituía o Fundo da Igualdade Racial.
Nenhum outro estatuto ou projetos de leis voltados para grande contingente populacional recebeu o tratamento que o da Igualdade Racial vem recebendo, embora esteja tramitando desde junho de 2000 na Câmara, não teve espaço adequado para sociedade debate-lo, nesses longos oito anos sempre que possível ficou na “geladeira”. Demonstrando que o racismo que encontramos na sociedade brasileira, especialmente nos estratos mais abastados, transpõe as paredes do Congresso Nacional. Embora, não há como negar que o projeto contraria interesses de grupos poderosos, especialmente, os capítulos que estabelece cotas e que trata dos meios de comunicação. Diante das evidências colocadas na mesa. Que fazer?
Responder - sem sofismar - essa questão é uma responsabilidade imperativa colocada ao movimento negro, principal interessado na aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Diante da pertinácia de forças contrárias tão poderosas, oriundas de amplas matrizes ideológicas e políticas, inclusive de setores importante do movimento negro, impõe reavaliação de rumo, sob pena de total inadmissão da proposta. O tempo tem estruturado os posicionamentos contrários, o antagonismo das posições se acirra. Cada vez mais defesa cega, unilateral, que sobreponha o outro não ajuda. Ao contrário, estreita o debate e dificulta o encontro de caminhos. Atualmente a saída desse impasse é complexa, pois exigirá um grande entendimento entre os variados pólos, para isso é necessário identifica-los e estabelecer concertação. Trata-se de um empreendimento que exige representatividade e autoridade política dos atores.
Avaliar cada artigo do PL nº 6264/05, promover debates com a sociedade, difundir a proposta tornando-a inteligível ao censo comum, acordar pontos prioritários, estabelecer interlocução com todos seguimentos da sociedade, negociar com as forças contrárias, ampliar o leque de aliança, intensificar pressão sobre o Parlamento e Executivo, são tarefas que se impõe aos defensores do Estatuto da Igualdade Racial. O movimento negro na qualidade de principal defensor do projeto deve imediatamente aumentar seu ativismo pró-estatuto, pois após sua aprovação no Senado, paradoxalmente, aumentou a dissidência entre os militantes do movimento negro, no mesmo tempo que mantém a rejeição dos contrários. Trocando em miúdos: complicou. Desagradou gregos e troianos.
O Congresso Nacional dificilmente aprovará o Estatuto da Igualdade Racial com o nível de compreensão atual. Por essa razão foi necessário constituir novamente uma Comissão Especial, no âmbito da Câmara dos Deputados, composta por 18 parlamentares, representando 12 partidos e 09 estados, para tratar do estatuto. Assim será possível abrir discussão com o povo e subtrair seu desejo. Será possível debater várias propostas para superação da desigualdade social e econômica entre a população negra e branca. Será possível apresentar para sociedade o que aufere as pesquisas sobre as mãos em que estão a pobreza e a riqueza. Será possível respondermos se deixaremos o problema racial para ser resolvido pelas futuras gerações. Será possível compreender que o debate racial é maior que o Estatuto da Igualdade Racial, tem o tamanho do Brasil, versa sobre o futuro que edificaremos para o país e seu povo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário