Em 2008 toda reflexão dos governantes, da classe política, da intelectualidade e dos variados setores organizados da sociedade civil sobre o destino a ser projetado ao Brasil tem que dialogar com o resultado dos 120 anos de abolição. Há compreensão de amplos setores de sua incompletude e do vigor do projeto conservador de República, elaborado pela minúscula oligarquia branca que dominava o Brasil em finais do século 19. Não efetivamos o processo de abolição da escravatura.
Por: Edson França
Mantemos uma das mais acentuadas desigualdades social e econômica do mundo. A população negra está na margem da riqueza produzida pela sociedade brasileira. Temos uma República sem participação do povo, concentradora de poder político e econômico, sem democracia social e com cidadanias violadas. Temos que apoiar uma agenda que redesenhe o cenário descrito, priorizando o desenvolvimento do país, a superação das desigualdades regionais e sociais e a ampliação da democracia.
Continuam na pauta do Planalto e do Congresso Nacional, em 2008, propostas de algumas reformas que podem vir ao encontro dos mais profundos interesses sociais, que beneficie a coletividade, aumente a presença do Estado na economia, rompa com as nefastas distorções oriundas do racismo e contribua para que a qualidade de vida da sociedade brasileira atinja um patamar mais elevado. A agenda dos 120 Anos deve acompanhar o debate das reformas, apresentar propostas e garantir resultados positivos para a demanda anti-racista. Há interesses, intrinsecamente conectados com os anseios da população negra, nas reformas que estão em pauta, de modo que o movimento negro está desafiado a discutir-las. Assim intervirá no novo projeto nacional que pode ser desenhado com as reformas e contribuirá para resolução parcial ou mais estrutural dos grandes problemas nacionais.
Na reforma da educação – prioridade número um para o movimento negro - há necessidade de garantir acesso e permanência universal até o ensino médio a todos brasileiros, ampliar o acesso e permanência ao ensino superior para população negra e pobre, reformular o currículo escolar, de modo que atenda a diversidade cultural que caracteriza a sociedade brasileira, melhorar a qualidade da educação investindo prioritariamente nos profissionais da área. A reforma educacional deve ser a mãe das reformas, pois a educação levará desenvolvimento perene ao país. Um povo que se educa, educa seus governantes e dirige a nação.
A reforma política deve ampliar a participação popular, ampliar a transparência nos procedimentos daqueles que se encarregam da gestão pública, fortalecer os partidos políticos, fortalecer os instrumentos de democracia participativa, ampliar a presença de negro e mulheres nas três esferas de governo - do executivo e legislativo. Há uma histórica e proposital sub-representação de mulheres e negros na política nacional, desde a direção dos partidos aos mandatos eleitorais. Não consolidaremos a democracia brasileira sem a efetiva participação de mulheres e negros no destino da nação. A soma desses segmentos constitui na maioria esmagadora do povo brasileiro, não se desenvolve um país sem seu povo. Hoje há instrumentos formais e informais que usurpa a participação proporcional dessa maioria populacional.
A reforma agrária deve definitivamente romper com o latifúndio, revogar a Lei da Terra de 1854, que tirou do ex-escravo, do negro e do pobre brasileiro o direito a ocupar um pedaço de terra e dela tirarem o sustento de sua família. Regularizar todas as terras quilombolas, mobilizar aqueles que querem terra para trabalhar, privilegiar a pequena e média propriedade levando conhecimentos técnicos, financiamento, infra-estruturas que permita um desenvolvimento seguro. Em 2007 o ápice da luta anti-racista se deu na luta dos quilombolas para efetiva posse e sustentabilidade da terra que ocupam centenariamente. O Decreto Presidencial 4887/03 - estabelece regras para regularização de terras ocupadas por remanescentes de quilombos - continua sofrendo duros ataques da bancada ruralista, anunciando que a peleja entre latifúndio, agro-negócio e grileiro contra os quilombolas está longe do fim, comprovando que quando o governo, na questão racial, sai da retórica e vai para ação efetiva, afloram secretas e inconfessáveis resistências racistas. Daí nosso interesse e a emergência dessa reforma.
Precisamos da reforma urbana, pois a lógica imposta pelos grandes especuladores imobiliários e governos conservadores tem ser superada, na medida em que isolam a massa popular nos cantões periféricos dos municípios sem saneamento básico, transporte, equipamentos sociais, espaços de cultura e lazer. Condição comparável aos batustões que segregavam a população negra da África do Sul no período do apartheid. Apenas interesses egoístas transigem com a forma de ocupação territorial em curso nos grandes e médios municípios brasileiros. Necessitamos de uma reforma urbana para conter a ganância da especulação imobiliária, tirar a população da marginalidade, garantir direito a moradia descente, garantir acesso a serviço público e garantir segurança de todos.
A reforma tributária tem um caráter estratégico para distribuição de rendas e ao combate das desigualdades regionais. Embora a derrota do governo na aprovação da CPMF tenha colocado a reforma tributária na frente da fila, será difícil efetiva-la, pois envolve complexa engenharia política para harmonizar os inúmeros interesses de setores da economia, dos estados, dos municípios e da união. Há tendência de pouco controle social no processo de debate que essa reforma exigirá. Ocorre que sem acompanhamento será uma reforma que atenderá apenas os interesses dos entes federativos, dos banqueiros, do grande empresariado rural e urbano. Devemos exigir que as grandes fortunas sejam progressivamente tributadas e redistribuídas, que a especulação e o rentismo sejam desestimulados, que façamos a escolha da produção e do desenvolvimento econômico justo e sustentável.
No ano corrente a agenda eleitoral para prefeito e vereadores, pela sua característica, permitirá aprofundar essa reflexão e faze-la chegar às entranhas do país. Será um grave erro dos partidos progressistas e dos movimentos sociais permitirem que as reformas seja pauta exclusiva do Congresso, discutidas apenas em Brasília. Necessitamos mobilizar amplos setores da sociedade brasileira e provocar o debate na base da sociedade. Temos que trabalhar para conquistar avanços sociais importantes no ano que o Brasil completa 120 anos de desinstitucionalização da escravidão. Temos que terminar a abolição iniciada formalmente em 1888 e corrigir as imperfeições da nossa República.
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